‘Audição ansiosa’ dita os novos hits
Existe uma nova ordem no reino dos hits da música pop, e ela está sendo ditada pelos ouvintes de streaming, os consumidores de faixas disponíveis em plataformas como Spotify, Deezer e Amazon Music. Algo que já começa a ser chamado de “audição ansiosa” tem definido parâmetros do que seria um novo sucesso nas duas ou três pontas do processo. O compositor precisa pensar em canções com menor tempo de duração; o produtor tem de fazer com que tudo seja mais direto e funcional para que o ouvinte não vá embora e a própria plataforma deve responder rápido à nova demanda do ouvinte que ajudou a criar.
Uma boa produção feita em 2021 – e por boa entenda algo capaz de atrair milhares de ouvintes que não abandonem a faixa nos primeiros segundos e que, conquista das conquistas, passem a seguir o artista e a buscar por suas produções antigas – precisa, em resumo, ser objetiva e curta. Isso porque esse ouvinte que cresceu com o streaming não ouve, segundo as estimativas das próprias plataformas, músicas com mais do que dois minutos e 30 segundos de duração. Essa é a média. Se chegar a três, temos uma vitória digna de Grammy.
Mas, o que são músicas objetivas? Aqui é preciso ouvir os produtores, figuras que se tornam tão ou mais importantes do que o próprio compositor: mediadores que transformam canções do novo e do velho mundo em possíveis potências de compartilhamento jogando no novo tabuleiro.
Dani Brasil é um deles. DJ renomado nos Estados Unidos, com residências em Atlanta, Washington, Miami, Chicago e Nova York, é um nome forte da tribal house que, ao lado de Rafael Dutra, recondicionou o hit The Best, de Tina Turner, para milhares de ouvintes. “Antes, podíamos contar uma história, criar uma narrativa. Havia uma introdução, uma melodia crescente, um auge. Mas, hoje, as pessoas não têm mais paciência. As mensagens devem ser diretas, o impacto precisa estar logo no início.” Se isso é ruim? “O meu interesse é ter plays, quero que o ouvinte não vá embora e vou fazer de tudo para que ele fique.”
Outro nome da produção estelar, o carioca Tiago da Cal Alves, o Papatinho, DJ, beatmaker e produtor autodidata, viu tudo mudar desde que ajudou o grupo de rap ConeCrewDiretoria a acontecer, nos anos de 2010, e agora, quando já colaborou com Marcelo D2, Seu Jorge, Criolo, Black Alien e produziu Anitta nas faixas Tá com o Papato (1.830.652 visualizações no YouTube) e Onda Diferente, incluindo um feat (colaboração) com o rapper Snoop Dogg e Ludmilla (104.788.020 visualizações). Por suas constatações, o mundo musical não é mais da década de 2010.
ALTA VELOCIDADE. “Além das facilidades do streaming, a geração nova é bombardeada por informações rápidas ao mesmo tempo. Stories são de 15 segundos, músicas para o TikTok têm um minuto, o Twitter aceita pouco texto. Se sua música não for direto ao ponto, você perde esse ouvinte.” E ele sente que o encurtamento do discurso musical ainda não terminou. “A tendência é diminuir mais.” E joga o jogo. “Eu prefiro ter uma música de dois minutos ouvida por duas ou três vezes pela mesma pessoa a ter uma de quatro que ninguém ouve. Eu tento bater os dois minutos e meio, estourando.” Papato diz algo mais que pode chocar amantes dos álbuns de vinil, CDs ou de qualquer ideia de álbum. “Só os artistas que têm muitos fãs devem lançar álbuns. É muito difícil fazer uma pessoa ouvir um disco inteiro. Melhor é lançar uma faixa de cada vez.”
As plataformas mais ágeis identificaram as demandas de seus fregueses. “Eu não ouço nada com mais de três minutos de duração”, diz Mileny Ferreira, esteticista de 33 anos. “E só busco playlists por estado de espírito, como ‘música calma’, música para dormir’, essas coisas…” Bruno Vieira, head da Amazon Music no Brasil, conta que músicos e produtores que hospedam faixas na companhia têm um mapeamento que informa o que deu e o que não deu. “Analytics em tempo real permitem que eles tenham mais informações para criar estratégias e se conectar com a audiência. Podem realizar testes, lançar singles, fazer pré-lançamentos em redes sociais, entender a aderência das canções, saber onde as músicas têm sido adicionadas… Tudo isso traz insights.”
Mas há algo importante que precisa vir para a discussão: as plataformas não são represas de produções pragmáticas para ouvintes ansiosos, mas polos distribuidores de artistas e consumidores representantes de três ou quatro gerações. Assim, o comportamento da maioria não é o de todos. Como explicar a Lulu Santos que suas músicas, agora, não podem ter uma introdução maior? Ou melhor, que introduções e solos de guitarra ou de qualquer instrumento são coisas tão démodés quanto a palavra démodé? Como dizer a Caetano Veloso que os ouvintes irão embora se ele fizer algo com mais do que três minutos?
Lulu Santos fala primeiro: “Minha música Inocente (lançada há dois meses) tinha 4 minutos e dez segundos. Disseram que estava grande e editei para ficar com 3 minutos e 21 segundos. Quer saber? A música ficou melhor”. Caetano fala agora: “Amigos norte-americanos me contam que grandes nomes, como Kanye West, estão fazendo coisas muito mais curtas. Mesmo figuras já estabelecidas estão fazendo faixas curtas por causa dessa reação às longas. Eu sou de um tempo em que as canções podiam ter três, cinco, sete ou dez minutos, e continuo sendo desse tempo”. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.