Ato em favor a insurgentes do Capitólio tem mais policiais do que público
Os moradores do centro de Washington acordaram neste sábado, 18, com o som de helicópteros em voo baixo e parte das ruas bloqueadas pela polícia. Oito meses após o ataque ao Capitólio, uma manifestação a favor dos que protagonizaram as cenas de insurreição assistidas com espanto pelo mundo em 6 de janeiro deixou a capital americana em alerta. Mas a marcha chamada “Justiça para 6 de Janeiro”, de apoio aos invasores do Congresso, reuniu menos manifestantes do que jornalistas e policiais.
Em uma Washington agora comandada por democratas, o policiamento ostensivo – que não foi visto em 6 de janeiro – chamava mais a atenção do que os poucos manifestantes esparsos. Mas o encontro serviu como uma lembrança de que a mentira de Donald Trump sobre a fraude eleitoral de 2020 continua alimentada entre sua base de eleitores, sem sofrer reprovações por parte do partido republicano.
Lideranças republicanas não compareceram ao evento. Tampouco fizeram críticas ao ato que tratou como heróis os que tentaram impedir a certificação eleitoral de Joe Biden em janeiro. O líder do partido no Senado, Mitch McConnell, foi questionado nesta semana por um repórter sobre o que diria aos manifestantes que pretendiam fazer o ato em defesa do ataque ao Capitólio. McConnell centrou sua resposta na organização do policiamento para o evento e evitou comentar a motivação do protesto.
“Quase não houve republicanos, especialmente no Congresso, que se manifestaram contra esta reunião”, afirma Michael Traugott, cientista político e professor da Universidade de Michigan.
“Todo republicano eleito ou que cogita se candidatar sente que precisa do endosso de Trump, o que faz o partido se mover para a direita. Mas isso não irá embora completamente quando Trump sair da política, porque está associado à ansiedade das pessoas sobre as mudanças demográficas da população americana e do eleitorado”, afirma o especialista, que vê a democracia do país em um momento “bastante precário”. O número de eleitores republicanos que desaprovam “fortemente” a invasão do Capitólio caiu de 51% em janeiro para 39% em julho, segundo pesquisa conduzida pela rede CBS.
Barreiras de caminhões laranja e blocos de concreto enfileirados protegiam o entorno do Capitólio. Uma cerca já havia sido colocada na véspera no local. A polícia do Congresso se uniu a homens da guarda nacional e tropa de choque. Mas poucas centenas de pessoas apareceram. Um homem foi detido por portar uma faca – é proibido carregar armas no gramado do Capitólio.
Entre 400 e 450 pessoas estavam no local no sábado, segundo a polícia do Capitólio. O número já exclui a segurança, mas não a imprensa e os curiosos. Nos dias anteriores ao protesto, circulou na internet uma teoria conspiratória de que a manifestação era uma armadilha do FBI para prender apoiadores de Trump. O próprio ex-presidente, que manifestou apoio ao protesto deste sábado, chegou a propagar essa narrativa. “Sábado é uma armadilha”, disse Trump ao site conservador Federalist. Segundo o ex-presidente, se o quórum fosse baixo, o evento seria usado contra os republicanos para sugerir que sua base está desanimada. “Se as pessoas aparecerem, serão assediadas (pela polícia)”, disse Trump.
“Isso vai ser retratado como um fracasso. Mas eu não ligo. Na verdade, assustaram todo mundo dizendo que era uma armadilha”, afirma Kecia P. (que não quis dizer seu sobrenome completo).
Kecia chamava atenção. Andava com um cachorro que usava como bandana a bandeira americana e usava um chapéu com broches de apoio a armas e a militares e uma bolsa com fotos de Michelle Obama. “Uma piada”, diz ela, sobre a bolsa, sem falar mais. Ela diz que estava no Capitólio no protesto de 6 de janeiro. “Nós estávamos aqui naquele dia com um sentimento de injustiça. Era uma multidão de patriotas. Foi uma eleição fraudada, injusta”, disse a americana, que repete o argumento de que os presos pelo ato estão detidos injustamente.
O evento de sábado foi organizado por Matt Braynard, que já trabalhou na campanha eleitoral de Trump e tem argumentado que os detidos na invasão do Capitólio são “presos políticos”. No palco da manifestação e nos cartazes dos poucos manifestantes presentes neste sábado, é corrente a versão de que “patriotas desarmados” são “presos políticos” que têm “sofrido em solitárias”.
Cerca de 600 pessoas foram acusadas criminalmente pelo ataque ao Capitólio em janeiro e 78 delas continuam detidas enquanto aguardam julgamento. A maior parte dos presos antes do julgamento são os que foram acusados de agressão aos policiais e das cenas de violência explícita registradas nos vídeos feitos no dia.
Alguns símbolos e bandeiras ligados aos Proud Boys e outros grupos de extrema direita, como o Three Percenters, podiam ser vistos nas roupas de pessoas na plateia. O próprio grupo Proud Boys, no entanto, esteve entre os que desincentivaram a participação dos seus apoiadores no evento.