Atenas e Esparta: o peso da cultura
Na tradição dos povos de língua inglesa, é cultivado um debate perene intitulado Nature vs. Nurture, ou seja, numa tradução livre, Natureza vs. Cultura. Gira em torno do peso relativo da genética (natureza) versus fatores ligados ao meio-ambiente (cultura) no desenvolvimento de uma pessoa. Nunca se chegou a algum consenso sobre o fator preponderante. Quando muito, existe algum acordo quanto ao fato de que ambos pesam. Este artigo defende a tese de que a cultura é o fator determinante no futuro das pessoas, e mesmo das nações.
Tomemos o caso de Atenas e de Esparta, que nos permite fazer um exercício, caro aos economistas, de ceteris paribus, expressão latina, que significa “tudo o mais constante” ou “mantidas inalteradas todas as outras coisas”. A beleza deste enfoque é que nos permite conhecer o efeito exclusivo de um dado fator no resultado final. No caso de atenienses vs. espartanos, podemos aceitar o fato de que o fator genético é o mesmo já que ambas as cidades são gregas, falavam a mesma língua e a raça é a mesma. Analisemos, agora, o tipo de cultura vigente em cada uma delas, e seu efeito final.
É pública e notória a importância dada por Esparta à preparação para a guerra de sua população. Na história da humanidade, ficou famosa a bravura e a inteligência bélica dos soldados espartanos. Quem não se lembra dos 300 de Esparta, no desfiladeiro das Termópilas, que enfrentaram os exércitos persas na defesa de seu modo de vida, em especial, a democracia grega. Em outra batalha famosa, também atuaram na defesa da democracia. Os espartanos formavam 40% dos soldados que livraram a Grécia (e a nós) da tirania. Sem eles, a democracia poderia ter se perdido.
O caso dos atenienses tem pontos de convergência com os espartanos: defesa da democracia e preparo físico. A “mens sana in corpore sano”, sempre citada em latim, vinha da tradição grega da mente sã em corpo são. A mente, no ditado, vindo antes do corpo nos reporta ao primado do Espírito, muito caro aos atenienses, que certamente foram muito além dos espartanos na criatividade de sua visão cultural nas diversas áreas do conhecimento.
Para citar apenas os atenienses mais famosos, cabe relembrar os seguintes: Péricles, orador e estadista da época áurea da Grécia Clássica, século V a.C.; Sócrates, que viveu e ensinou em Atenas, fundador da filosofia ocidental; Platão, o mais que famoso discípulo de Sócrates, que fundou sua própria escola filosófica; Hipócrates, médico que inspirou o Juramento Hipocrático; Heródoto, o Pai da História, que viajou muito e escreveu sua famosa obra; Fídias, que esculpiu a estátua de Atena Partenon e de Zeus no Olimpo e Temístocles, que venceu a batalha naval de Salamina contra a frota persa.
Quando fazemos a busca de espartanos famosos, vamos encontrar quase sempre grandes guerreiros como Leônidas, que liderou os 300 espartanos na Batalha das Termópilas contra os persas; Brásidas, general na guerra do Peloponeso; Lisandro, almirante que foi o responsável pela vitória espartana na mesma guerra do Peloponeso, dentre outros. Os espartanos não deixaram a contribuição majestosa nas áreas das humanas e das exatas dos atenienses, fato histórico bem conhecido e reconhecido.
Já que atenienses e espartanos eram da mesma raça grega (oriunda, cabe enfatizar, de um processo de miscigenação decantada de diversos e antigos povos na região onde depois Atenas foi fundada, e que gerou o perfil racial grego), o que acabou levando Esparta e Atenas a serem o que foram? A resposta não é difícil de ser encontrada. Simplesmente está na opção de Esparta por uma cultura basicamente guerreira e a de Atenas, cujos horizontes foram muito além no cultivo das diversas áreas do saber.
Que lições podemos tirar da opção cultural feita por Atenas e Esparta na condução de sua trajetória histórica ao longo do tempo?
A primeira delas é que o legado de Atenas para a humanidade foi algo de extraordinário, lembrando o fato de Atenas ter sido uma pólis de cerca de apenas 300 mil almas. Não obstante, num período histórico relativamente curto, foi capaz de inúmeras realizações nos planos político, das ciências exatas e humanas e do comércio marítimo. Desenvolveu valores permanentes que ainda hoje apontam na direção correta a ser seguida.
Esparta também nos oferece uma lição, só que na direção oposta. Trata-se de um mundo em que o militarismo, as oligarquias e a agricultura não só se destacaram como se mantiveram ao longo do tempo. Um mundo fechado, pouco aberto à inovação e à criatividade, que fosse além das atividades bélicas. Tanto isto é fato que não produziu grandes nomes nas demais áreas do saber. Sua contribuição ficou longe da grandeza e legado permanente de Atenas.
Atenas nos ensinou como combater as oligarquias com Clístenes, que levou adiante a obra de Sólon, ao criar o voto distrital puro. Ele dividiu Atenas em distritos eleitorais em que cada um escolia seu representante nas assembleias maiores na grande praça pública no coração de Atenas. E cada delegado prestava contas regulares de suas atividades a seus representados.
Este é um legado adotado ainda hoje nas grandes democracias modernas. Países de língua inglesa e a Europa Ocidental, dentre outros, mantêm essa mesma herança que nos vem do ateniense Clístenes. Tudo isso foi parte de uma visão de mundo ampla cultivada por Atenas, uma cultura ampliada que Esparta não conseguiu desenvolver.
Para reforçar a defesa da cultura como fator determinante, merece registro uma observação de Paulo Francis sobre racismo. Ele dizia que cientificamente não há como defender superioridade genética de qualquer povo. Mas se raça for entendida como os padrões culturais de um dado povo, como ocorreu com Atenas em relação à Esparta, seu peso é determinante.
A lição final nos é dada pelos riscos do militarismo de Esparta. Seus frutos a longo prazo são pobres. A América Latina comprovou tal infelicidade de que nos livramos, até 1889, com o firme controle civil de nossos militares.
Sobre o autor: Gastão Reis é empresário e economista