Atacarejos de pequeno porte se espalham em bairros de grandes cidades
Até novembro de 2020, o terreno do n.º 140 na rua Eulálio da Costa Camargo, no bairro do Limão, na zona norte de São Paulo, era ocupado por um galpão onde eram despejados os entulhos recolhidos em caçambas espalhadas pela capital paulista. Há pouco mais de um ano, no entanto, o espaço se transformou no endereço de um atacarejo – modelo também conhecido como autosserviço – e passou a atender tanto os pequenos lojistas, como donos de lanchonetes, quanto ao público final.
Foi na pandemia que a JMW Foods resolveu dar um “upgrade” no próprio negócio: de distribuidora de alimentos resolveu investir em um atacarejo. Foi uma mudança motivada pela pandemia de covid-19, de acordo com a empresa. Com os clientes do setor de alimentação com as lojas fechadas por causa do isolamento social, o jeito foi ampliar os horizontes e encontrar novos consumidores.
O terreno no bairro do Limão, que já pertencia à companhia, facilitou esse processo. “Foi o jeito que encontramos de continuar vendendo e pagando os boletos”, resume o gerente geral da única loja da JMW Foods, Cleiton Nascimento. “Hoje nosso público principal são os restaurantes e lanchonetes aqui do entorno, além dos moradores do bairro.”
Assim como a JMW Food, outros pequenos atacarejos estão abrindo as portas em áreas não tradicionais para o modelo de negócio. Se no passado os endereços das redes como Assaí, Atacadão, Roldão e Makro estavam localizados em áreas mais afastadas, como em rodovias e próximos a trevos de cidades, agora os autosserviços começam a se instalar mais perto da casa dos clientes, em regiões de maior densidade populacional e em bairros de diferentes poder aquisitivo.
Para o superintendente executivo da Associação Brasileira dos Atacadistas e Distribuidores (Abad), Oscar Ottisano, com a consolidação de empresas como Assaí e Atacadão, negócios de menor porte tentam “surfar a onda” de popularidade do modelo, impulsionada pela alta da inflação nos últimos anos.
“Os pequenos devem ganhar mercado principalmente nas regiões menores onde as redes não têm atratividade para investir em novas lojas”, diz Ottisano. De acordo com o mapeamento da Abad, de seus 2,5 mil associados no País, cerca de 400 negócios operam autosserviços.
Consumidor prefere economia ao ‘luxo’
Apesar de o modelo de negócio ter nascido com a função de atender os “transformadores”, que vão revender posteriormente as mercadorias, ao longo dos últimos anos, dada a possibilidade de economizar, o modelo de autosserviço tem atraído os clientes do tipo pessoa física. O atacarejo, com isso, vem se sofisticando: um sinal forte dessa tendência é o movimento de sofisticação empreendido pelo Assaí nas lojas que a rede comprou do Extra Híper, bandeira que o Grupo Pão de Açúcar (GPA) resolveu desativar.
Essa preferência pelo atacarejo aparece claramente em dados da NielsenIQ. O levantamento aponta que, em 2022, o modelo já atinge 67% dos lares dos brasileiros, tendo crescido 5 pontos porcentuais desde 2019, no pré-pandemia. Neste mesmo período, a utilização do serviço de hipermercados no mercado nacional caiu 4 pontos porcentuais, chegando a 42% este ano.
Em 2015, quando o levantamento começou a compilar dados do setor, a disseminação do autosserviço no Brasil era de 47%. Nos últimos sete anos, portanto, o modelo cresceu 20 pontos porcentuais; enquanto isso, a utilização dos hipermercados, na mesma comparação, ficou estacionada em 42% dos lares.
Na avaliação do consultor de varejo Eugênio Foganholo, sócio da Mixxer Desenvolvimento Empresarial, novas marcas de atacarejo estão captando o público antes fiel ao modelo de supermercado. Agora, segundo ele, as pessoas estão disposta a abrir mão da experiência de compras pela economia no preço da nota no final. “Esse é um movimento que já vem acontecendo há algum tempo”, diz.
De olho nessa mudança no perfil dos clientes, o empresário Fábio Dias decidiu mudar o foco do negócio de sua família. Há 28 anos atuando no ramo de supermercados em Sorocaba, no interior Paulista, ele investiu R$ 3 milhões na construção de uma nova loja para vender itens no atacado, no mesmo município. “Antes eu comprava de revendedor, agora vou direto nas fábricas e negocio o melhor o preço. Assim, consigo repassar os descontos para quem compra no atacado”, relata.
A estimativa inicial do empresário era de começar a ver retorno do investimento no atacarejo em até dois anos, mas o desempenho da loja surpreendeu. Em 11 meses de operação, o negócio já se sustenta sozinho. Por isso, Dias refez as contas e se prepara para lançar a segunda unidade focada no atacado, com investimento inicial de R$ 1 milhão. “Nós percebemos que os nossos clientes do mercado também gostavam de comprar em quantidade, para economizar”, afirma.
No caso do atacarejo JWM Foods, os planos também são de expansão. Depois de ampliar o tamanho da primeira loja e aumentar as vendas em 40% nos últimos seis meses, a companhia vai inaugurar uma segunda unidade em Cajamar, na região metropolitana de São Paulo, conforme adianta o gerente da empresa. “Vamos inaugurar no próximo mês. Já estamos com quase tudo pronto, faltam só alguns detalhes de decoração”, afirma Nascimento.
Gigantes do atacarejo avançam rapidamente
A entrada dos atacarejos nos bairros não é, no entanto, uma movimentação exclusiva dos pequenos varejistas. Quem também acompanha de perto essa mudança é o Assaí. No ano passado, a companhia comprou 71 lojas da bandeira de hipermercados Extra e se prepara para chegar em regiões onde o preço dos terrenos costuma ser mais caro. O investimento nessas aquisições, anunciado em 2021, foi bilionário.
Conforme conta o diretor de operações para o sudeste do Assaí, Luís Carlos Araújo, a aquisição das unidades acelerou o processo de expansão da bandeira e possibilitou a chegada em endereços mais nobres. “A localização das lojas sempre foi algo importante para o nosso negócio”, diz. “A compra do Extra, para nós, veio principalmente para entrar nos grandes centros. Cada vez mais nós queremos atingir o consumidor final.”
Diferentemente do JMW Foods e do Atacado Dias, ambos com menos de 2 mil metros quadrados de loja, as novas unidades do Assaí terão entre 6 mil e 10 mil metros quadrados.
Aumento no custo de operação
Para agradar os consumidores, as empresas têm ampliado os serviços disponíveis, introduzindo espaços para padarias e açougues, além de ampliar o “mix” de produtos ofertados nas lojas. Nas futuras unidades da rede do Assaí, principalmente nos endereços em áreas nobres das cidades, até o número de rótulos de vinho da adega foi ampliado para atrair os clientes.
Para o consultor Foganholo, essas facilidades podem afetar o principal diferencial competitivo dos atacarejos, que costumam ofertar preços mais baixos justamente por ter operações mais enxutas. “Quanto mais serviços, maior é a despesa operacional e menor o desconto nos produtos”, avalia.