Associação em Defesa dos Mananciais do Alcobaça e a Preservação Cultural e Ambiental em Cascatinha
Localizada na região serrana do estado do Rio de Janeiro, Petrópolis é conhecida como Cidade Imperial por ter sido residência de verão da família real brasileira. Apesar disso, a cidade adquiriu notoriedade como polo industrial a partir de 1870, com diversos estabelecimentos espalhados por seus vales, atraindo numerosa mão-de-obra que, ocupando a cidade, permitiu que ela se expandisse amplamente (MAGALHÃES, 1966).
Na década de 1870 a cidade começou a ganhar investimentos em companhias têxteis, devido a quantidade de rios que produziam energia hidrelétrica e ao clima frio que impedia a formação de nós nos fios do algodão. Tal processo gerou um enorme impulso econômico e demográfico à região, mas geograficamente desorganizado, com inserções de indústrias em áreas isoladas. No entorno das indústrias, logo surgiram os assentamentos, onde as famílias se instalaram, formando vilas operárias que originaram alguns dos bairros existentes hoje. Dentre eles, o distrito de Cascatinha, após a instalação da Companhia Petropolitana de Tecidos em 1873. Porém com a desativação dessa mesma indústria nos anos de 1960, o lugar sofreu um profundo impacto econômico, produzindo desemprego, diminuição de renda e empobrecimento da população residente na área (MESQUITA, 2012).
O distrito de Cascatinha se caracteriza, topograficamente, pelo relevo montanhoso com encostas acentuadas. É cortado por corpos de água corrente que oscilam da escala do córrego a do rio. Atualmente, o distrito se mantém em crescimento, mas de forma desordenada, o que vem agravando o índice dos impactos ambientais devido ao aumento da ocupação em áreas de encostas. Tais características associadas a um processo de ocupação antrópica desordenada e espontânea produziu grandes áreas suscetíveis a riscos e vulnerabilidades socioambientais (GUERRA; GONÇALVES; MELO, 2007).
TRAJETÓRIA HISTÓRICA DE CASCATINHA
Cascatinha era um vilarejo que surgiu às margens do Caminho Novo, estrada que ligava o Rio de Janeiro a Minas Gerais. Sua antiga centralidade era a Fazenda Itamarati, que existia desde o início do século XVIII. Seu nome teve origem em uma cascata ainda existente no local. Anos depois, em 1873, na confluência dos rios Piabanha e Itamarati, distante cerca de 5km da área central da cidade, instalou-se uma pequena indústria de fiação e tecelagem, a “Companhia Petropolitana de Tecidos”, que com treze anos de existência, dada a sua produção crescente, inaugurou em 1886, uma nova sede. Um notável edifício de 15.000m² de área, construído em sólidas estruturas e com inúmeros componentes importados da Bélgica, como suas telhas e colunas. O bairro passou a se formar mediante a criação da pequena indústria, conhecida como fábrica velha. Naquele período o que hoje se conhece como Cascatinha, era chamado de Vila Doutor Bonjean.
Iniciou-se assim a criação de um núcleo fabril encerrado em si mesmo e dotado de grande espírito comunitário que impulsionou o crescimento da região, mudando a centralidade da Fazenda Itamarati para o novo Complexo Fabril. Esta iniciativa, do cubano Bernardo Caymari, com mão de obra, basicamente, de livres imigrantes italianos, conferiu autonomia e caráter próprio à região e por fim, importância paisagística, econômica e histórica em âmbito nacional. O interesse empresarial não ofuscou a preocupação com a questão urbanística e social, refletida na construção de equipamentos urbanos tais como Igreja, enfermaria, berçário, escola, creche, armazém, corpo de bombeiros, vila operária e uma praça. Fazendo com que os moradores não precisassem sair do bairro, devido a toda a infraestrutura que a fábrica montou em Cascatinha. Porém, o fato é que, apesar do tombamento nacional e, posteriormente, do sobretombo municipal, a região de Cascatinha, assim como inúmeros locais emblemáticos do patrimônio nacional, vem passando, desde o declínio da atividade têxtil a partir de 1960, por fortes transformações, sejam morfológicas ou sociais, envolvendo mudanças de tipos e intensidades do uso do solo e a apropriação do território pela população sem orientação técnica adequada, caracterizando-se assim o crescimento urbano desordenado. Observou-se, a partir do declínio progressivo da atividade industrial, grande crescimento demográfico na região, uma vez que a Fábrica, devido a grandes dívidas, passou a lotear e vender, sem nenhuma infraestrutura, suas terras, o que contribuiu para o surgimento de acréscimos e alterações nas edificações e nas áreas públicas, afetando profundamente a ambiência original. Dessa forma, o grande núcleo fabril foi se transformando em um bairro popular, com todos os problemas de infraestrutura e serviços que lhes são característicos. Atualmente, a edificação principal da Companhia Petropolitana continua sendo utilizada, sem a preocupação com o patrimônio histórico, para fins fabris, porém por diversas empresas de vários setores, como movelaria, reciclagem e até mesmo o uso original de tecelagem e fiação.
HISTÓRIA E PRESERVAÇÃO DO PATRIMÔNIO
Com a falência da fábrica, os donos começaram a se desfazer de seus bens, passando a vender ou dar como indenização por dívidas trabalhistas a seus operários: as casas, terrenos e parte do seu patrimônio, como por exemplo a floresta, onde existem as nascentes de água que abastecem as casas e parte da própria fábrica. Neste momento, as pessoas começaram a ter dificuldades para se manterem, porque, até então, a fábrica mantinha uma cooperativa, um posto de saúde e a população residente foi perdendo tudo isso. Foi grande o risco de uma degradação ambiental no bairro quando a floresta foi vendida. Não fosse a criação da Associação em Defesa dos Mananciais do Alcobaça – ADMA, hoje, não se teria a floresta íntegra e as nascentes preservadas.
Sem dúvida o que foi preservado nasceu da luta de pessoas como a senhora Wilma Borsato, Ana Maria Sigou e Roseane Borsato à frente de um movimento envolvendo a comunidade em defesa de um bem maior e imprescindível à vida: a água! Apaixonada pelo lugar onde nasceu, cresceu e vive até hoje, neta de italianos e filha de um operário que trabalhou na Companhia Petropolitana por mais de 50 anos, Wilma teve a iniciativa de na celebração dos 100 anos de seu professor, Amadeu Guimarães, organizar uma exposição, sobre as memórias do bairro e das famílias que deram origem ao lugar. A partir deste evento nasceu o desejo de tornar permanente a exposição. Rapidamente as famílias aderiram à ideia e o Centro de Cultura Wilma Borsato hoje é um espaço de preservação da história do bairro e dos italianos que por lá passaram. As filhas da senhora Wilma que além de terem vivido toda a infância no local, acompanhado e contribuído em todo o processo, seguem buscando dar continuidade ao trabalho, em função da enfermidade da mãe. O Centro Cultural que guarda todo o acervo, está localizado na antiga estação ferroviária de Cascatinha, por onde passava o trem vindo do Rio de Janeiro indo para Minas Gerais, trazendo rolos de algodão cru do porto de Mauá para a Companhia Petropolitana de tecidos. Na estação havia uma locomotiva que levava o algodão para o interior da fábrica onde era transformado em tecido. Essa locomotiva, hoje, está na estação de Nogueira devido à falta de condições do bairro, na época em que foi restaurada, para recebê-la.
Em alusão ao decreto de Dom Pedro, assinado em 17 de setembro de 1873 autorizando o funcionamento da fábrica, a comunidade convencionou utilizar esta data para comemorar o aniversário do bairro. E assim, no início da década de 1990 mais de 1.000 pratos de macarrão foram servidos na Praça da igreja do bairro, na primeira festa com características italianas em Cascatinha. Outro marco significativo na história, não só do bairro, mas na cidade de Petrópolis, foi a vinda da então ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, para assinar junto com o representante da Caixa Econômica Federal, a transferência dos mais de dois milhões de metros quadrados da floresta do Alcobaça ao ICMBio, incorporando-a ao Parque Nacional da Serra dos Órgãos. Pondo fim a uma luta que perdurou por mais de trinta anos. Vitória do povo de Cascatinha e da mais dedicada de suas filhas, a senhora Wilma Borsato. Vale lembrar que a ADMA – Associação em Defesa dos Mananciais do Alcobaça permanece ativa e completará neste ano (2023) 40 anos de existência.
É possível observar na região que o uso do solo é predominante residencial, principalmente ao longo dos rios e nas encostas. Ainda assim é notório o uso comercial estendido ao longo das principais vias de acesso e a área de preservação ambiental nos topos dos morros.
Segundo Afonso Celso Bueno Monteiro, preservar o patrimônio histórico e arquitetônico é manter viva a memória de um bairro, de uma cidade, de um país. Um povo que não preserva sua história dificilmente conseguirá planejar o seu futuro. O patrimônio construído e preservado é um ativo urbano de fundamental importância para as futuras gerações, além de estar atrelada ao desenvolvimento econômico, social, cultural e ambiental de uma região.
Ao longo dos anos, a região passou por transformações que modificaram sua paisagem. O crescimento urbano, demanda por novas moradias e a ocupação periférica acompanha esta carência atendendo a um contingente populacional maior que o do fim do século XIX e início do século XX.
Deste modo, nota-se que o crescimento urbano do distrito foi muito mais forte e pouco compreensível com a ocupação de suas encostas e destruição da Mata Atlântica.