• Assim como na dança, Ingrid Silva dá um salto nos obstáculos da vida

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  • 22/01/2022 13:30
    Por Ana Lourenço / Estadão

    Aos 8 anos, Ingrid Silva exibia seus primeiros pliés e piruetas no projeto social Dançando Para Não Dançar, na Vila Olímpica da Mangueira, zona norte do Rio de Janeiro. Na época, a dança não passava de uma diversão, mas, com os anos, a arte ganhou espaço considerável em sua vida – e foi o impulso para uma grande mudança.

    Hoje, como primeira-bailarina do Dance Theatre of Harlem, mãe, empreendedora e dona de uma autobiografia, ela entende essa mudança. “Eu falava que eu iria parar com 30 anos, mas, agora, estes estão sendo os melhores anos, que eu estou me descobrindo cada vez mais como artista, não só no palco, mas fora dele também”, relata ela durante chamada de vídeo com o Estadão desde sua casa, em Nova York.

    De modo geral, não são muitas as responsabilidades que carregamos aos 13 anos. Mas não foi assim com a carioca Ingrid Silva. Filha de uma empregada doméstica e de um funcionário aposentado da Força Aérea, a menina assumiu a responsabilidade que o balé exigia e aceitou novos desafios em busca de um sonho. “Eram horas e horas ensaiando para conseguir a ponta perfeita, para conseguir dançar no palco e ser a melhor. Lembro de uma vez chegar em casa chorando e meu pai falar sobre desistir. E na minha cabeça isso era inconcebível. Foi quando eu vi que aquilo era tudo que eu queria na minha vida”, declara.

    O esforço começou a ganhar forma, quando ela ganhou uma bolsa para estudar na Dance Theatre of Harlem School, companhia fundada por Arthur Mitchell, primeiro bailarino negro do New York City Ballet, em Nova York. Com “a cara e coragem”, apesar de não falar nada de inglês, Ingrid desembarcou nos Estados Unidos, sozinha, aos 18 anos.

    Ainda que houvesse muita vontade de dançar, o medo se fazia presente. “Eu achava que eu não era merecedora porque eu não estava me esforçando o suficiente. Só que eu fui aprendendo cada vez mais que não era sobre esforço, era sobre eu acreditar em mim. Então fui trabalhar com coreógrafos diferentes, fui viajar, fui tendo diferentes oportunidades, e tudo isso mudou a minha cabeça, e eu entendi o que era aquela cultura e aquela arte na minha vida”, conta.

    SAPATILHA. Muito além do crescimento pessoal que a ida para Nova York proporcionou, foi ali, na escola de dança da Harlem, que ela passou a ver a importância também da representatividade. “Quando entrei na sala, vi que todo mundo se parecia comigo, que tinha um arco-íris de tonalidades ali. Tinha pessoas que realmente acreditavam no corpo do bailarino, seja ele qual for. A pessoa era vista pelo talento dela – aquilo pra mim fez total diferença.”

    Reconhecido por esse diferencial, o diretor da escola propõe, desde que fundou a companhia em 1969, a ideia dos bailarinos pintarem as sapatilhas da cor da sua pele, em vez de mostrarem o clássico cor-de-rosa claro. Mas com as redes sociais, Ingrid mostrava para os amigos e familiares todo o processo de sua então futura carreira de bailarina, o que incluía vídeos da pintura da sapatilha com maquiagem, da costura e do significado dos sapatos. Depois de 11 anos pintando sapatilhas, o movimento ganhou repercussão e teve frutos. Desde 2020, um de seus pares está exposto no acervo do Museu Nacional de História e Cultura Afro-Americana Smithsonian, em Washington.

    “Geralmente a gente associa peças de museu a quem morreu ou quem é muito mais velho do que eu, mas na verdade eu sou uma pessoa que está fazendo história, construindo narrativas. Então a sapatilha, para mim, foi um marco muito grande de acreditar que é possível. De ver o quão isso vai ser um legado para outras meninas que sonham em ser bailarinas”, conta.

    Quando pequena, Ingrid lembra que escutou de uma professora que não seria nada. E hoje ela poderia ser um talento destruído. “Eu não escutei ela, mas eu sou um em um milhão. Tem muitas crianças negras que escutam isso todo dia e não conseguem seguir em frente. Eu sou muito mais que o tom da minha pele, minha arte é muito mais que isso”, diz.

    Hoje, por meio da dança ela tenta mudar essa realidade com o projeto EmpowHer NY (entidade sem fins lucrativos que atua como um catalisador social para mulheres), e pelo projeto Blacks in Ballet, plataforma que cria ambiente inclusivo para bailarinos negros.

    REPRESENTAÇÃO. Apesar de não se considerar influenciadora, Ingrid sabe de sua importância. “Eu sou uma pessoa que representa o Brasil em diversos espaços, tanto na arte, quanto na cultura, quanto na dança, quanto na vida”, diz ela. “A vida na internet é muito perfeita e as pessoas acabam não influenciando os outros tão positivamente porque não é real, é uma fantasia, é uma história que você cria. Eu fico feliz de influenciar as pessoas com a minha generosidade, a minha verdade e o meu posicionamento em relação a tudo que eu vivo”, diz ela, que hoje se delicia com vídeos de Laurinha, sua filha de 1 ano.

    “Eu vim para fazer esse rebuliço. Fazer aula grávida e mostrar o corpo real. E é legal saber que a gente tem uma vida após ser mãe. Eu não sou só mãe. Eu tenho desejos, vontades, sonhos, realizações e acho que é sobre isso: juntar o útil ao agradável sem apagar a sua identidade. Graças a Deus estou fazendo isso muito bem.”

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