• Asilo das órfãs

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  • 16/07/2023 08:00
    Por Ataualpa A. P. Filho

    Ele só queria dizer que estava ali em missão delegada por autoridade. Exercia função de guardião: proteger, amparar.

    Cidadão com dignidade erguida na ciência do certo e errado prescrito em lei. Estava de roupa limpa, de banho tomado, sem hálito de bebida alcoólica, mas não negou ser frequentador assíduo dos bares.

    Era manhã de domingo de chuva fina. Estava em pé, parado debaixo da marquise de um prédio como se esperasse alguém. As freiras saíram pela porta lateral da Matriz de São Sebastião. Atravessaram a rua rapidamente. Ninguém carregava guarda-chuva. Os passos eram apressados por causa da garoagem. Mas ele acompanhou:

    – Aqui ninguém mexe com as senhoras. Ficamos aqui reparando tudo. Podem ficar tranquilas. A gente sabe que vocês ajudam muitas pessoas. É bom conversar assim, né, trocar ideias…

    Eu vi. Eu lhe conto. Mas tenho esta mania de fazer pausa para refletir. Do respeito, ali havia em sobra. Diminuí os passos para assuntar a conversa. Era também do meu interesse, pois lições de vida, gosto de assimilar por inteira. O mundo é uma sala de aula.

    Viajei não para presenciar esse diálogo. Outros motivos me levaram a Barra Mansa. Mas isso, conto-lhe em outra ocasião. O que estava ali eram os reflexos do Amor Caritas.  A caridade implantada em uma comunidade há mais de um século.

    As ações que emanam da fé desarmam até corações. Não havia medo, nem rejeição. Havia alguém querendo retribuir gratidão. Ele nada pediu. Nada foi dado. Apenas, por aproximadamente, 40 metros de caminhada sob uma chuva fina, compartilharam-se gestos de gentileza. Por isso veio este desejo de reiterar que o viver não carece de mistério. A paz também é fruto da generosidade.

    A essência da simplicidade está na informalidade, no desapego. O exercício da fé perpassa pela valorização do humano. A pobreza sempre existiu. E, pelo caminhar da humanidade, tende a perpetuar-se. Contudo, a fome não é só de pão. Há os que precisam alimentar o coração, embora só pense no estômago e nas contas bancárias. O supérfluo, geralmente, dimensiona o vazio que há dentro do ser.

    Eu e Marta, fomos visitar a Escola Doméstica Cecília Monteiro de Barros, porém, mais conhecida como Asilo das Órfãs. Mas antes de chegar à escola, esta já havia chegado até nós pelo motorista do aplicativo, pela cordialidade desse senhor que nos acompanhou até à porta da Escola. Ele seguiu em direção ao bar que fica logo à frente.

    Quando a ação é pela graça caminha por si, ganha perna na boca do povo. Atravessa o tempo. Isso pode ser constatado pelas ações do povo barramansense em relação ao chamado Asilo das órfãs. A instituição de ensino é mais conhecida pelas ações caritativas do que pela razão social inscrita no Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica (CNPJ).

    As irmãs Franciscanas de Nossa Senhora do Amparo têm instituído como prática pedagógica o Projeto de Cortesia Siqueirana, fundamentada na Educação do Coração. Ainda estou nas primeiras lições, mas já sou testemunha da colheita dos frutos…

    Mas é preciso que se diga que tudo começou em Petrópolis, com a fundação da Escola Doméstica Nossa Senhora do Amparo pelo Padre João Francisco de Siqueira Andrade, em 22 de janeiro de 1871, um ano após o fim da Guerra do Paraguai, com o propósito de acolher as meninas órfãs. Várias delas caíram na orfandade pela morte dos pais na citada guerra. Situação que se agravara, porque ainda se vivia em um regime escravocrata.

    O Padre Siqueira foi capelão na Guerra Paraguai, na qual contraiu a tuberculose. Apesar de enfermo, em apenas17 anos de sacerdócio, edificou um carisma que se mantém por mais de 150 anos. E, em um dos relatos, disse:

    “Meu Deus! Quantos infortúnios eu presenciei, quantos insultos àquelas pobres viúvas!… Quantas atrocidades àquelas infelizes vítimas… Quem sabe quantos outros horrores ocasionados pela fome e pela miséria! Não! Disse eu, não é possível conter os impulsos de meu coração! Não há para mim maior sacrifício. Não vou salvar toda essa porção frágil e desafortunada da humanidade; uma só infeliz que com a graça do Senhor e a proteção da Augusta Virgem do Amparo, nossa Mãe e Protetora, eu possa salvar do ameaçador naufrágio, já me será uma inexcedível consolação.”

    A obra fundada por ele teve continuidade pelas mãos de sua sobrinha, Irmã Francisca Pia (Mamãezinha) que se tornou freira e fundou a Congregação idealizada pelo tio, que falecera em 1881.

    Vi também as belas instalações do Colégio Nossa Senhora do Amparo – Barra Mansa, também coordenado pelas irmãs dessa Congregação com raízes em Petrópolis, que, por desejo do Padre Siqueira, segue a “Regra da Terceira Ordem de São Francisco da Penitência”.

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