• As rugas de D. Floripes

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  • 09/02/2017 12:22

    D. Floripes nasceu no século dezenove, natural de Porto Novo, estado de Minas Gerais.

    Casou-se muito jovem, porém, as circunstâncias fizeram com que viesse a se instalar com a família em outros municípios da terra mineira, como Oliveira e São João d’el Rei.

    O marido, Afonso, trabalhava junto a técnicos ingleses ao tempo da Estrada de Ferro Leopoldina e com eles, praticamente, só se comunicava na língua daquele povo, até porque o diálogo através da nossa língua não era possível.

    D. Floripes e Afonso tiveram quatro filhos; todavia, Afonso partiu cedo, aos quarenta e quatro anos, deixando órfãos os quatro filhos e a viúva, esta totalmente desestabilizada, em especial, nos campos emocional e financeiro.

    Conforme a mim relatado por parte dos filhos, a esposa fora muito feliz na companhia do marido, entretanto, o destino tornou-se cruel deixando sob sua responsabilidade a criação e, sobretudo, a educação dos filhos.

    A mais nova, ficara com onze anos e a filha mais velha, com dezesseis.

    Em razão do ocorrido, D. Floripes teve que enfrentar brava luta, já que obrigada a cuidar do lar, de suas obrigações, sem falar que os recursos financeiros eram parcos.

    Como me foi narrado, tratou-se de uma vida de lutas e sacrifícios, especialmente para a educação dos filhos, já que àquela época tudo era mais difícil, em particular, a educação, pela escassez de escolas.  

    Com o passar do tempo, a família acabou por se transferir para Petrópolis, fixando residência à Avenida Portugal, época em que todos os filhos já eram maiores.

    Aqui permaneceram por alguns anos, já com dois filhos casados e dois solteiros.

    Um deles acabou por se mudar para o Rio de Janeiro, já bem situado profissionalmente, na condição de alto funcionário do então Ministério da Viação e Obras Públicas.

    A filha mais velha, já viúva, seguiu o irmão e mudou-se com os filhos, também para o Rio de Janeiro, o mesmo acontecendo com D. Floripes e sua filha, esta que decidira não se casar, justamente para cuidar da mãe.

    D. Floripes faleceu aos noventa e um anos, no Rio de Janeiro.

    Um de seus filhos, entretanto, decidiu permanecer em Petrópolis, elegendo esta cidade para residir, já que aqui conhecera minha mãe, estudante do Colégio Santa Isabel, instituição onde colou grau como professora.

    Meu pai, sempre me dizia: “quem bebe desta água aqui decide ficar para não mais deixar esta terra”; frequentemente, me relatava, através de diálogos que mantínhamos, que sua mãe queixava-se, vez por outra, das rugas que passaram a lhe cobrir o rosto, até porque surgiram quando ainda muito jovem, logo após o falecimento do marido, meu avô.

    Mas para mim, ainda aduzia: “mamãe queixava-se sempre das rugas que lhe cobriam a face, entretanto, explicava que aqueles traços guardavam um único significado, ou seja, resultado da luta que encetara para a criação dos filhos, a educação dos mesmos e o trabalho diuturno que enfrentava objetivando o sustento da família”.

    Todavia, o final de sua vida foi pleno de felicidade e contentamento por ver filhos e netos bem encaminhados, especialmente meu pai, o poeta que não esqueço.

    A propósito da perda do pai, escreveu o poeta:

    “Órfão de pai, imaturo, / que cedo, à luta, se vai, / é o que dirá, já maduro: / – como fez falta o meu pai!”

    Ainda que tantas rugas houvessem lhe coberto o rosto, partiu na certeza do dever cumprido.


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