• As “leis” da História e a espada

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  • 04/09/2021 08:00
    Por Gastão Reis

    Hegel, famoso filósofo alemão, afirmava que a História (sim, com H maiúsculo) tinha um sentido. Ela obedeceria a determinadas leis em sua evolução. E seria a dimensão mais profunda da realidade, iluminada pelo Espírito, como guia condutor, que lhe valeu o rótulo de idealista. Shakespeare, o grande bardo inglês, vai na direção oposta. Para ele, “A vida é uma história contada por um idiota, cheia de som e de fúria, sem sentido algum”. Ele está nas antípodas de Hegel. Quem teria razão?

    Aristóteles, filósofo grego, nos legou a seguinte frase adotada pelos romanos: “Virtus in medium est”. Ou seja, a virtude está no meio, na média ponderada dos fatos. Bertrand Russell, filósofo e matemático, o acusou de não levar em conta a experiência prática. Filósofos de peso como Russell também cometem equívocos. Existe um texto do Estagirita em que ele reconhecia que o critério último da verdade seriam os fatos empíricos. Ao se referir à média ponderada dos fatos, Aristóteles reafirma sua posição e ainda seu senso de justiça, ao propor que se dê a cada fato a ponderação correta antes de formarmos um juízo definitivo sobre uma pessoa ou um evento histórico. E assim nos ajuda a desvendar a realidade, e a nos posicionarmos em relação a Hegel e a Shakespeare.

    A ex-URSS nos fornece um exemplo de como a História pode tropeçar nas próprias pernas. A Revolução Russa foi filha da Primeira Guerra Mundial.  Esta, mal-conduzida pelo governo czarista, abriu espaço para a vitória dos revolucionários russos. Eles ainda se beneficiaram de poder contar, no início, com Trotsky na organização do Exército Vermelho. Diante da crítica de Lênin, que achava um absurdo montar um exército com oficiais que eram (quase) todos monarquistas, Trotsky foi diabólico, curto e grosso: “É simples. Informarei aos oficiais que qualquer traição será punida com o extermínio de sua família”. Argumentação cruel e definitiva, que Lênin aprovou ao lhe dirigir um sorrisinho sórdido do tipo “por-que-eu-não-pensei-nisto-antes?”.

    O conhecimento que os revolucionários russos possuíam do funcionamento de uma economia era bastante precário. A NEP, a nova política econômica de Lênin, era um retorno, a contragosto, às leis de mercado. As críticas de economistas como Ludwig von Mises e Friedrich Hayek, da Escola Austríaca, afirmavam que o sistema de planejamento central não funcionaria a contento. Não seria capaz de substituir eficientemente o livre jogo das forças de mercado. Mas elas acabaram se impondo no fim da década de 1980. As distorções oriundas dos ukazys (decretos russos com força de lei) do estamento burocrático levavam a um permanente desencontro entre oferta e procura. Sempre faltava alguma coisa ou sobravam outras quanto aos bens e serviços desejados pela população russa, sempre submetida a longas filas.

    A lição mais importante do experimento russo foi revelar o grande erro  cometido pela nomenklatura (burocracia russa) ao tentar castrar as forças de mercado. E pouco importa que o sistema tenha resistido por 70 anos. Mas, no final, desmoronou. Comprovou também os descaminhos em que a história (com h minúsculo) pode se meter quando a incompetência e o viés ideológico assumem o comando. As supostas leis da História, em especial a luta de classes, queridinha de Marx, o motor enguiçado da História, que mais atrapa-lhou do que ajudou no avanço das forças produtivas que ele tanto venerava.

    Na verdade, há uma diferença marcante entre ciências como a física e a química, obedientes a determinadas leis, e aquelas em que o ser humano, como agente social, tem o poder de alterar o rumo dos acontecimentos. A História, a Sociologia, a Economia (esta, em parte) sofrem esta influência. Não   se comportam como queria Auguste Comte, o pai do positivismo, que tanto influenciou militares e civis brasileiros em seus descaminhos históricos. Comte propunha uma ditadura científica, que seguiria leis como as da física e da química, música para ouvidos militares golpistas e de candidatos a ditadores.  

    Dom Pedro I deixou sua marca no 7 de setembro e na Carta de 1824. Ele acreditava na separação dos poderes, mas não em sua independência e harmonia, que peca até pela intrínseca falta de lógica. Era necessário um poder moderador que atuaria quando os demais entrassem (como entram hoje!) em conflito. Haja vista que os atuais países parlamentaristas o mantêm, pois separam chefia de governo da de Estado, sendo esta um quarto poder com a função de harmonizar inclusive os choques entre os poderes. É certo que com poderes mais restritos do que os vigentes em nosso século XIX.        

    Vejamos o desastre que sua ausência nos causou desde 1889, recorrendo ao grande Thomas Hobbes. Ao dissertar sobre como manter a paz, preocupação que lhe era permanente, ele afirmava que ela não era um problema em que bastava dialogar para resolvê-lo. Ele dizia que “Pactos sem espada são meras palavras que não dão segurança a ninguém”.

    Antes que figuras com pendores autoritários ou ditatoriais se empolguem e resolvam assumir o papel de garantidores da paz com o cano do fuzil, que, segundo Mao Tsé-Tung, era de onde emanava o poder, cabe reescrever a frase de Hobbes assim: “Espadas sem pactos acordados (ou consensados em lei) também não garantem segurança a ninguém”. Esta versão não desagradaria a Hobbes. Foi um erro histórico o País aceitar na prática os militares como poder moderador, onde o arbítrio e até a violência sempre estiveram presentes, passando ao largo do arcabouço político-institucional vigente.  

    A paz ambicionada por Hobbes, a estabilidade política, só será alcançada em bases seguras quando O Brasil tiver um arcabouço político-institucional instrumentado para resolver conflitos dentro da Lei e que também seja capaz estimular o processo de desenvolvimento ao invés de travá-lo como ocorreu com a carta de 1988. (O deputado Luiz Philippe de Orleans e Bragança acabou de lançar para debate um projeto intitulado Constituição A Libertadora – link: http://constituicaolibertadora.com.br).

    A História, em diversos episódios, parece dar razão a Shakespeare, ao passo que Hegel teria sido mais feliz se tivesse se limitado às ciências físicas.

    Que o 7 de Setembro deste ano não nos conduza à repetição de velhos erros!

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