• As greves das (ineficientes) universidades federais

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  • 15/jun 08:00
    Por Gastão Reis

    É cansativo contemplar mais uma longa greve nas universidades federais. Esta última vai completar quase três meses. As reclamações são as de sempre: falta de recursos de toda ordem, que vai da manutenção dos prédios e equipamentos, passando pela falta de condições de trabalho e, como sempre, a necessidade de reajustes e aumento dos salários.   

    Vejamos a questão da longa duração das greves. Certa feita, um grupo de brasileiros estava em Londres e notou que uma universidade local fez um dia de greve de protesto. Ao conversar com os professores ingleses sobre a razão da greve, lhes disseram que no Brasil estava havendo uma nas universidades públicas federais que já passava de dois meses. Ingenuamente, um dos profes-sores ingleses comentou: “Então deve ser mesmo um problema muito sério!”.

    Obviamente, jamais passaria pela cabeça de um professor universitário inglês (ou americano) que uma greve pudesse durar dois meses sem que houvesse desconto pelos dias parados. É a invenção (estapafúrdia) brasileira da greve sem custo. O simples fato de ser assim permite aos grevistas fazer corpo mole na retomada das aulas. Além do desrespeito ao dinheiro público e à formação dos alunos, ainda tem a questão do tratamento dado às greves nos setores público e privado.

    Greves no setor privado têm custo para os grevistas. E ninguém pode se dar ao luxo de perder um mês de salário. Menos ainda se for para dois ou três meses de greve. Tive um parente que estudou na Universidade Federal de Viçosa, há mais de 20 anos, e enfrentou o seguinte problema num curso de 5 anos: três meses de greve no primeiro ano; dois meses, no terceiro ano; e, novamente, três meses em seu último ano do curso. Situações deste tipo têm levado jovens a preferir universidades privadas às públicas para evitar tais transtornos, inclusive atraso no recebimento do diploma em função de greves.

    Mas não é só isso. Há também dois problemas graves no combate à desigualdade que poderiam ser resolvidos pelo governo federal se houvesse vontade política. O primeiro é o de usar dinheiro público do contribuinte para remunerar quem não trabalhou. Deveria tratar os grevistas do setor público do mesmo modo vigente no setor privado: não pagar os dias parados. O segundo é a questão de conceder gratuidade integral a quem pode pagar. Ambos os problemas seriam iniciativas bem-vindas no combate à desigualdade.    

    Analisemos agora pelo prisma do baixo desempenho das federais quanto ao lado acadêmico em relação aos padrões internacionais. Entre as 100 melhores do mundo, o Brasil só tem a USP – Universidade de São Paulo (92ª), que é estadual. Nenhuma das 66 federais faz parte deste grupo. É fato que a USP tem um percentual do ICMS do estado que vai direto para seus cofres. Mesmo assim, vez por outra, seus orçamentos estouram.

    A pergunta óbvia que se segue é: por quê? Sabemos que as federais elegem seu reitor baseada num eleitorado dividido em três partes: um terço dos votantes são professores; outro terço, são de funcionários; e um terço é composto pelos alunos.  Visto assim do alto, parece muito democrático. Aqui recorremos ao Papa João Paulo II quando afirmou que a Igreja não era uma democracia. Católicos sabem disto. O mesmo poderia ser dito em relação à administração das grandes universidades americanas e europeias.

    Seria uma postura antidemocrática dessas universidades que dão certo e têm padrão de excelência reconhecido internacionalmente? Não mesmo. Trata-se de uma situação que exige do eleitor formação acadêmica para poder votar. E garantir a manutenção da qualidade acadêmica no mais alto nível. É claro que um reitor eleito por dois terços de eleitores sem formação adequada acaba pondo peso maior no lado político. E até partidário. O atual reitor da UFRJ é do PSol. Direção anterior da UFRJ/PSol descuidou do Museu Nacional a ponto de pegar fogo. E não houve apuração das devidas responsabilidades.  

    O que vem acontecendo, em boa medida, com as federais é que fatores políticos estão tendo maior peso dos que os acadêmicos em sua administração. Reclamar do capitalismo e suas sequelas acaba assumindo o palco. Não espanta, pois, que gestões desse tipo não deem a devida atenção à qualidade acadêmica e acabem perdendo o foco na excelência. E este é um problema que vem se arrastando por décadas sem sinais de que vai mudar.

    Dadas as circunstâncias, esta é uma situação que nos permite fazer previsões com margem de erro mínima. Em outras palavras, a mediocridade vai continuar no comando. O pior é que a demanda do mundo moderno por profissionais de ciências exatas vem crescendo cada vez mais, até mesmo pelas exigências da área de TI – Tecnologia da Informação. E o ensino básico público no Brasil não vem se caracterizando por bom desempenho em matemática. Quer dizer, a mão de obra qualificada não está sendo preparada para o futuro.

    O dramático nesse processo é que não estamos levando a sério a luta fundamental contra a desigualdade. A situação continua emperrada. Estudos e pesquisas comprovam que a desigualdade se combate com educação de qualidade em que as escolas públicas não vão nada bem. Não obstante o setor privado venha se saindo bem, ele representa apenas de 30% das escolas de ensino médio. Mais de dois terços não estão recebendo a formação que o mundo moderno exige.

    É preciso – e como! – que o setor público passe por uma reforma radical, e que a preocupação com a qualidade do ensino seja prioridade. A boa notícia é que essa tarefa não é impossível de ser levada adiante. O estado do Ceará é um bom exemplo de qualidade no ensino médio. Se um estado enfrentou o desafio e vem se saindo bem, outros poderão seguir seu exemplo. Só assim vamos romper aquela situação de país que só é bom para um terço da população.

    Incluir todos é uma meta ambiciosa, mas não há como deixar de enfrentar tal desafio para nos tornarmos o País que almejamos.

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