• As expansões de Pedro Mariano refletidas em ‘Novo Capítulo’

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  • 11/05/2022 08:00
    Por Julio Maria / Estadão

    A reclusão de dois anos sob riscos sanitários ofereceu algo de mágico dentro do terror que talvez, e é melhor que seja assim, não se repita mais. Mas ali, como se levasse a criação a outra dimensão, o tempo estendido de dias que poderiam ser os últimos foi percebido por Pedro Mariano enquanto ele, mesmo sem saber do amanhã, se jogava em um processo longo e decantado que começava na incerteza do futuro de sua música para terminar vitorioso.

    Sem pressa por não saber se haveria alguém para ouvi-lo amanhã, isso se houvesse amanhã, Pedro decidiu realizar as ideias que teve entregando-se aos limites. Vai que sobrevivesse, teria feito três ou quatro coisas que nunca fizera até então.

    E então, vivo, Pedro tem um dos melhores e mais bem realizado de seus 11 álbuns de carreira anteriores, se não o melhor, feitos em 27 anos de estrada. As três ou quatro coisas improváveis se juntaram a outras e resultaram no álbum Novo Capítulo, que será lançado no próximo dia 20. Antes, na sexta, 13, sai o single Bem Perto. A ideia do título reúne uma série de inícios: pela primeira vez, ele aparece como coautor na composição de parte das 11 canções inéditas e, também pela primeira vez, entrega a produção a alguém que não seja ele mesmo.

    E isso, sabem os artistas, pode mudar tudo. Não foi o caso, não há nenhuma ruptura radical com o que tem feito em outros discos, mas sua voz aparece mais ampla, mais quente e mais próxima graças também, e em boa parte, a quem confiou a orientação do disco: o músico e produtor Dudu Borges.

    A ficha técnica guarda um luxo que precisa ser ressaltado. Quem assina os arranjos de metais usados em duas das canções, Cais e Era Pra Ser, é Jerry Hey, de 72 anos, trompetista e arranjador estadunidense, autor das linhas de metais da música Thriller, de Michael Jackson, ganhador de três Grammys com Quincy Jones, colaborador do Earth, Wind and Fire e que, nos anos 1980, chegava a gravar para até dez discos em uma semana. Jerry era um sonho que Pedro conta com emoção.

    A certa altura das gravações, Dudu Borges levantou a ideia de terem metais em algumas músicas e perguntou a Pedro se ele tinha sugestões de arranjador. “Jerry Hey”, disse, como quem diz alguma impossibilidade. “Você tem o contato? Pergunte o preço”, instigou Dudu. Pedro se refez e o procurou ainda cético, mas Jerry estava lá, disposto, e tinha um preço, alto, porém não impraticável, e uma agenda, apertada, mas não impossível.

    As músicas foram enviadas e os trabalhos começaram. “Quando recebi a primeira, com os metais prontos, eu não conseguia apertar o play”, conta Pedro. “E se eu não gostasse do resultado? Mas ele fez exatamente o que eu imaginei que faria. Sua marca estava lá.”

    Os metais de Hey aparecem de forma ainda mais determinante em Era Pra Ser, a música que abre o disco. “Eu disse a ele que fizesse sua mágica acontecer, que aqueles eram os primeiros instantes que deveriam pegar o ouvinte.”

    O que veio então foi o mais Jerry Hey de tudo, uma linha cortante e compactada de metais quentes que soavam como um organismo só. Os arranjos dele foram gravados em um estúdio de Londres por músicos de sua confiança. E ainda duas outras músicas, que não tiveram linhas escritas por Hey, acabaram sendo enviadas para o mesmo estúdio: o samba funkeado Jaeh (se fala já é), com arranjos de Dudu, e o samba-rock Metade do Infinito, com metais do guitarrista Conrado Goys.

    DOCUMENTÁRIO. A feitura do álbum seguiu um processo de detalhamento incansável. O estúdio de Dudu Borges tem ao menos quatro salas para resultados diferentes que foram testadas em cada música, conforme Pedro conta. “Chegamos a testar sete bumbos de bateria em uma música, seis microfones e todas as salas que mostravam acústicas diferentes.

    Fiz três versões de cada música.” Tudo era também gravado em vídeo, incluindo uma conversa com Jerry Hey, que será usada para um documentário a ser editado e viabilizado até o primeiro semestre do ano que vem.

    As canções de Novo Capítulo falam do amor de uma forma que talvez, por ser “a mais próxima do amor que se vive no dia a dia”, como diz Pedro, seja algo que esteja caminhando para uma certa vaporização na canção das novas levas. Falar desse sentimento sem problematizações, melaços ou fundos de representatividade, como fazem Era Pra Ser, Bem Perto, Um Sol Dois Mundos, Pra Começar e Novo Capítulo, poderia colocar Pedro, por outro lado, dentro de um ambiente de “cantor romântico”, o que seria um desvio redutor.

    Ele mesmo diz não perceber tal ideia sobre si. “Eu consigo me ver cantando sobre outros assuntos e os nomes que me vêm quando ouço esse termo não são os que estão próximos a mim.” Mesmo em uma das mais românticas do álbum, Primeiro Amor, de Leo Minax (belo autor, que assina também Metade do Infinito), a voz de Pedro parece ficar em um ambiente sem muitas definições de classe. Não é MPB, não é pop e não é indie, mas, o que quer que seja, exala um frescor e uma verdade de fala cada vez mais inusuais àqueles que ouvem.

    As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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