• As cracolândias

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  • 05/06/2017 12:50

    O tráfico é caso de polícia; mas o tratamento da dependência química, não. Ninguém deixa o vício à base de cassetete. Diante do que testemunhei, acompanhando o trabalho do Padre Quinha, não posso concordar com a proposta do prefeito de São de Paulo, que pretende estabelecer internação compulsória para os dependentes químicos. Ele procurou a justiça para ter o direito de levar, à força, os usuários de drogas para avaliação médica. Esse método é o menos indicado.  A justiça agiu com sensatez e recusou o pedido dele. 

    É do conhecimento de todos que o crack não é a droga mais rentável no mercado do tráfico. Pelo contrário, é uma das mais baratas, por isso atende aos usuários de baixa renda. 

    Embora não tenha feito nenhuma estatística, nem lido nenhum relatório sobre isso, atrevo-me a afirmar que o número de usuários de cocaína e da cannabis sativa é maior do que o número dos que usam crack. Atrevo-me a afirmar também que o número de alcoolistas no país é maior do que os dependentes dessa droga que provoca efeitos devastadores tanto no aspecto físico quanto no âmbito moral. Desnorteados, os usuários perambulam pelas ruas em volta dos pontos de venda, sentem-se impotentes para abandoná-la. Por isso precisam de ajuda da família, da sociedade, do Estado.

    Sem medo de errar, faço aqui outra afirmativa, mesmo sem ter dados estatísticos: nenhuma capital, no país, tem um sistema de saúde capaz de acolher todos os dependentes químicos que existem nas suas jurisdições. Essa realidade não dá para colocar debaixo do tapete. 

    Não existe cracolândia somente em São Paulo. Vários municípios sofrem as consequências do tráfico dessa droga, que é obtida por meio da mistura da pasta base da cocaína mais bicarbonato de sódio. A “fissura” que ela oferece é rápida, por isso os usuários a consomem compulsivamente.

    Essa pedra colocada no seio da sociedade, principalmente nos centros urbanos, não sairá algemada em camburão. Uma pesquisa realizada pela Fundação Oswaldo Cruz, em 2012, já havia contabilizado, aproximadamente, 370 mil usuários no Brasil. Com o decorrer do tempo e a disseminação do tráfico, o número de viciados aumentou.

    Os botecos que vivem da venda de bebida alcoólica, eu os vejo como um tipo de cracolândia. Aqueles senhores, que muitos chamam de pés inchados, também precisam de atenção. Como eles não incomodam tanto, não são tão agressivos, não há uma mobilização da opinião pública para este problema que também é grave: o alcoolismo. Muitos que hoje estão viciados em crack iniciaram essa decadência pelo álcool.

    Escola em tempo integral, criação de empregos, capacitação da mão-de-obra, melhoria do sistema de saúde são algumas medidas eficazes para afastar os jovens do mundo dos vícios. Quando as pessoas não encontram prazer na vida, tentam encontrá-lo nas drogas lícitas ou ilícitas. 

    Reafirmo: a ação policial deve ser usada para combater o tráfico. Bala de borracha, cassetete, bomba de gás lacrimogêneo não afastam ninguém do vício. Muitos usuários já perderam tudo, até a vontade de viver. 

     Concordo com o Padre Quinha, quando falava que o amor é a força de pode tirar alguém da sarjeta. Ninguém sai dessa situação sozinho. É preciso encontrar uma mão estendida, sem armas. A dificuldade de perdoar e de pedir perdão é um dos maiores obstáculos para reintegrar socialmente os dependentes químicos, porque além das sequelas morais, físicas; existem as que envolvem os laços afetivos, principalmente na família. Nesses casos, a mãe é a primeira a perdoar e a última a abandonar o filho. Ela é quem mais sofre.


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