• As cavernas dos tempos modernos

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  • 03/mar 08:00
    Por Ataualpa A. P. Filho

    Os templos são para as orações. Mas o tempo é para as nossas ações. A Tecnologia da Informação (TI) desencadeou, nos meios de comunicação, uma velocidade que possibilita a troca de mensagens com extrema rapidez, encurtando distâncias. Fato este que favoreceu o aprimoramento científico. O conceito de “aldeia global” criado, na década de 60, pelo professor canadense Herbert Marshall Mcluhan, a cada dia, torna-se mais consolidado. Só que essa retribalização “moderna” está gerando um comportamento sem consistência afetiva, o que levou  Zygmunt Bauman a defini-la como “Modernidade Líquida”.

    A perda da empatia vem instituindo relacionamentos formais em que “os negócios” passaram a ter prioridades. Com isso, os valores humanos são menosprezados.

    A onimania, o transtorno compulsivo por compras, deu asas à vaidade. Com isso, a obsolescência psicológica ficou mais visível. O comprar por comprar só para exibir o poder aquisitivo revela a opulência do ter de um ego inflado. O luxo, a exuberância do supérfluo, tornou-se objeto de desejo.

    A tecnologia também aprimora a ociosidade. Os controles remotos estão aí para beneficiar até o sedentarismo. A propaganda massificada limita o livre arbítrio, reduz a liberdade de escolha pela indução. Sobre os fregueses, os clientes, ou seja, sobre os consumidores, é despejada uma carga de informações sobre o “bom”, o “bonito” e o “barato”, citados como imprescindíveis. Produtos são apresentados como indispensáveis para uma vida confortável, alegre e prazerosa. Contudo, o viver bem não está nas prateleiras, nem nas vitrines dos shoppings. É preciso estabelecer limites, precisamos ter a verdadeira noção do nosso poder de compra. Endividar-se para atender à vaidade é um equívoco.   

    O mundo estaria “noutro patamar” civilizatório se os avanços científicos e tecnológicos fossem usados somente em função do bem comum, sem priorização de castas ou oligarquias. Não há paridade no acesso ao conhecimento. Nem todos desfrutam dos benefícios que a Ciência proporciona, principalmente no que tange à área de saúde. Por essa desigualdade, tem-se a divisão da sociedade em classes. A falada pirâmide social foi criada tendo como base fatores econômicos. As sequelas desse desequilíbrio são profundas. Basta dizer que a pandemia que afetou o mundo neste século teve as suas raízes na precariedade higiênica encontrada até em países considerados desenvolvidos.

    A evolução tecnocientífica possibilitou o aumento da expectativa de vida. O Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) precisa ser ampliado por meio de gestões públicas que priorizam a qualidade de vida. Estamos em um ano eleitoral. As coligações, os conchavos, os tapinhas nas costas tronar-se-ão mais frequentes. O “você me conhece”, regado de cinismo, vai ser mais ouvido. As “selfies” irão “bombar” em atos políticos…

    O problema que hoje enfrentamos está ligado a questões éticas e morais. Os contos dos vigaristas se multiplicaram por aplicativos. Os avanços tecnológicos e científicos estão sendo usados nocivamente. O problema está na idoneidade de quem usa as ferramentas digitais. Quem tem a índole que leva a fraudar eleições vai tentar fazer isso seja em urnas eletrônicas ou não. Por isso, volto à chave geral: devemos servir ao Bem. Ser ponte para que, nesta travessia, o amor esteja sempre entre nós, pois sem ele não há paz.

    Na quinta-feira passada (29/02), uma criança, enquanto eu atendia a mãe, que é aluna da escola em que trabalho, perguntou com ar de espanto:

    – Pra que tantas câmeras?! Aqui tem uma, tem outra ali, lá fora tem um monte…

    Eu apenas sorri. A mãe se encarregou de respondê-la…

    Confesso que vibrei com a manifestação do garotinho, logo pensei: “esse vai ser o mote da crônica da semana”. Não iria perder essa indagação que caiu na minha mesa de trabalho com a assinatura de uma criança. Por isso estou aqui puxando o fio dessa prosa para dizer que hoje as aldeias da modernidade vivem cheias de câmeras pela segurança e pela insegurança nossa de cada dia. Aquela velha frase “sorria, você está sendo filmado” já não traz nenhuma novidade. Os pontos de câmeras estão espalhados por toda parte. Somos filmados constantemente. A vida tornou-se um “reality show”.

    O filho dessa aluna me fez lembrar a visita de um grande amiguinho, nos conhecemos desde os seus primeiros dias de vida. Ele pediu que ficasse olhando para o monitor das câmeras. Saiu da sala e foi para uma outra. De lá, deu uns tchauzinhos. Depois voltou e perguntou: – você me viu?…

    As crianças nos fazem repensar o viver: precisamos explorar o lúdico da nossa dura realidade para não perder a ternura. Vou ficar do lado delas eternamente.

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