• Artista inglês, Willard Wigan, fala sobre seu mundo de sutilezas

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  • 07/set 09:55
    Por Maria Eduarda Camargo / Estadão

    No tempo frio e instável de Birminghan, na Inglaterra, o dia de Willard Wigan começa com uma vitamina batida no liquidificador. Talvez o barulho do eletrodoméstico seja o som mais alto que ele ouvirá no dia. No resto do tempo, ele se dedica às microesculturas no silêncio tranquilo de sua casa. Concentração, respiração lenta, gestos delicados. Minuciosas batidinhas na pedra que, aos poucos, se transforma, dentro do buraco de uma agulha, no rosto de quatro presidentes dos Estados Unidos, numa recriação do Monte Rushmore.

    Em um primeiro relance, a visão das peças, que recriam celebridades, monumentos, quadros históricos e até animais selvagens, pode nos deixar um tanto incrédulos. Dizer que uma escultura cabe no buraco da cabeça de uma agulha sugere a pequenez, mas parece uma comparação vazia perto da grandiosidade do trabalho de Wigan.

    Devido ao tamanho, as ferramentas tradicionais não funcionam: grande parte de como o trabalho é realizado atualmente foi um processo de “tentativa e erro” para Wigan. Quando o material é a pedra, por exemplo, ele quebra um diamante em estilhaços, substituindo o formão (instrumento utilizado para entalhar e esculpir).

    “Eu faço as ferramentas por minha própria conta. Testei e experimentei por muito tempo. Para fazer o diamante, eu seguro ele em um pedaço de aço e o estilhaço com um martelo. Esses pequenos fragmentos pontiagudos que resultam do processo são a ferramenta para esculpir meus trabalhos.”

    A pintura também não é feita com o pincel: Wigan utiliza os próprios cílios para dar cor às esculturas.

    Entretanto, o microscópio, aparato que atualmente é essencial no trabalho do escultor, foi um aliado que chegou com o tempo – e a idade. Wigan explica que, apesar do extremo controle com as mãos, os 67 anos pesaram na visão na hora de produzir: “Mas conforme a idade chega, parece que eu fico melhor”.

    Não só pela delicadeza, mas também por conta do fato de que ele deve controlar a própria respiração e os batimentos cardíacos para esculpir, muitas de suas obras levam semanas para ficarem prontas, mesmo em uma rotina de produção de cerca de 16 horas por dia. O Cristo Redentor, esculpido em nylon com o uso de uma lasca de um prato de jantar quebrado, levou cinco semanas para ser completado.

    Casa de formiga

    As esculturas, que hoje fazem morada em topos de parafusos, buracos de agulhas e cabeças de fósforos, começaram inocentemente, ainda na infância do escultor.

    Ele conta que se entretinha, durante a juventude, com as pequenas farpas de madeira que se soltavam de objetos e árvores, e então tomou a decisão de criar pequenas casas para formigas. A partir daí, as obras foram encolhendo.

    “Todo ser humano foi alguma vez pequeno. Meu trabalho conta a verdade: todos começamos pequenos. E crescemos. Você não consegue ver a olho nu, mas quando você vê pelo microscópio, as coisas se tornam grandes. Só porque você não pode ver, não significa que não está lá”, explica.

    Para quem analisa as obras de Wigan, o foco principal está na proporcionalidade e na riqueza de detalhes: os entalhes dos doze apóstolos, dispostos atrás da mesa, por exemplo, evidenciam os contornos de copos e pratos, pintados e entalhados manualmente.

    O artista não usa uma “cola”: as referências fazem parte da sua imaginação. “Eu faço tudo com a minha cabeça. Não preciso olhar. Eu olho só uma vez, é tudo que preciso.”

    Descoberta tardia do autismo

    Para Wigan, os aparentes obstáculos da dislexia e do autismo, vindos de um diagnóstico tardio em sua vida, aos 50 anos, são agora aliados no processo de concentração e configuração das peças.

    “Eu não fazia ideia de que tinha autismo e dislexia. Isso me causou grandes problemas, mas eu não sabia o que era. Quando eu ainda era pequeno, eu fui maltratado na escola. E esse é o lugar onde estou hoje”, conta. Ele explica que o processo de entender seus limites é hoje uma recompensa pelo trabalho.

    Guinness Book

    De um fio de cabelo retirado de seu próprio pescoço, Wigan esculpiu uma bicicleta utilizando o ouro como matéria prima. A peça lhe rendeu seu primeiro reconhecimento no Guinness – Livro de Recordes, pela menor escultura feita por mãos humanas, ainda em 2013.

    Mas a ambição do britânico não parou por aí. Inspirado nos conselhos da mãe, que costumava dizer que “quanto menores forem suas obras, maior você será”, ele decidiu superar seus próprios parâmetros. Quebrou o recorde de novo, em 2017, com a reprodução de um embrião em Kevlar (tecido sintético), do tamanho aproximado de uma célula sanguínea humana (que mede 8 micrômetros, unidade equivalente a um milionésimo de metro).

    “Eu nunca pensei muito no que eu queria ser quando crescesse. E, mais tarde, eu não me promovi, as pessoas só viram o que eu podia fazer e continuaram querendo mais do meu trabalho. Eu sinto como se toda essa energia que, com o tempo, coloquei no meu trabalho estivesse sendo reconhecida. É uma honra para mim.”

    O reconhecimento do Guinness veio acompanhada de mais dois títulos: Wigan também é doutor honorário pela Universidade de Winnick, além de ser um Membro da Ordem do Império Britânico, título concedido por um comitê real para indivíduos que causam impacto positivo na sociedade. “Eu só quero mostrar ao mundo o que os homens são capazes de fazer com as próprias mãos”, diz.

    Apesar do reconhecimento, o artista das pequenas formas complementa que ainda tem muitos sonhos. Bem-humorado, ele brinca sobre a afinidade com a bossa nova e outros gêneros musicais brasileiros, e expressa o desejo de uma visita ao Brasil com uma exposição: “Eu amaria montar uma mostra aí. Se me chamarem, pegarei o primeiro voo”, finaliza.

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