Armas ocidentais dão vantagem, mas levam desafios logísticos à Ucrânia
O envio de tanques ocidentais à Ucrânia animou estrategistas de Kiev, que veem nas novas armas prometidas o potencial de definir os rumos da guerra. Embora comemorado, o novo pacote de ajuda – que inclui sistemas de defesa antiaérea e munição – não é garantia de sucesso, segundo analistas. Eles afirmam que a vantagem tecnológica pode não ser suficiente para superar os desafios logísticos, geográficos e os números das forças russas.
“A questão central é: a Ucrânia conseguirá furar as defesas russas? Ela pode fazer a Rússia recuar com os novos equipamentos? E se eles não conseguirem, equipamentos ainda mais modernos serão enviados? Há um limite para a ajuda ocidental?”, questiona Eric Gomez, diretor de Estudos de Política de Defesa do Cato Institute, centro de estudos americano.
Na análise de Gomez, embora a tecnologia garanta às tropas ucranianas a superioridade bélica em termos de qualidade, a eficácia contra a quantidade russa, mesmo com equipamentos inferiores, pode não ser suficiente.
Em relação aos tanques, a Ucrânia deve contar com pelo menos 59 blindados, o que equivale a um batalhão do Exército americano. O número é maior quando somados os países europeus que também enviarão tanques, mas a entrega não deve ultrapassar em muito uma centena. “Individualmente, eles são de melhor qualidade do que os russos têm disponível. Mas a qualidade supera os números?”, pondera Gomez.
Analistas têm dificuldades em apontar a quantidade exata de tanques destruídos no primeiro ano de conflito na Ucrânia, mas uma estimativa da revista Forbes, em outubro, indicava que, apenas do lado russo, cerca de mil haviam sido retirados de combate, forçando Moscou a recorrer a modelos mais antigos.
O tabuleiro do campo de batalha na Ucrânia mudou nos últimos meses, desde que a Ucrânia lançou uma contraofensiva que retomou a região de Kharkiv e a porção ocidental de Kherson. Com o recuo da Rússia e com a chegada do inverno, os avanços se tornaram mais lentos – e os russos se reagruparam.
“Isso lembra a 1.ª Guerra, uma guerra de trincheiras”, afirmou o professor de relações internacionais Gunther Rudzit, da ESPM. “Quando os tanques começaram a ser empregados, no fim da 1.ª Guerra, eles viraram o jogo. Com essa comparação, você entende o pedido desesperado da Ucrânia.”
Antes dos tanques, o grande alvo da cobiça ucraniana era o sistema de defesa aérea Patriot, de fabricação americana, considerado importante para conter os ataques aéreos de Moscou. Assim como no caso dos veículos pesados, a liberação dos Patriot foi marcada por uma negociação relutante, tanto pela análise técnica quanto geopolítica.
“O Patriot não é a melhor bateria antiaérea que existe. Ao que tudo indica, os S-400 são até mais eficientes que elas, que servem para defesa regional e não nacional”, disse Rudzit. “Em um território como o da Ucrânia, duas baterias, que é o que deve ser enviado, não são suficientes para cobrir o país.”
Rudzit aponta que uma estratégia possível seria posicionar uma das baterias antimísseis na capital, a fim de impedir bombardeios à infraestrutura central da maior cidade do país. A outra, no entanto, poderia ser utilizada de forma móvel, a apoiar movimentações ofensivas, protegendo equipamentos de disparos de artilharia ou ataques aéreos.
Logística
Toda liberação de um novo armamento para a Ucrânia é precedida por uma série de cálculos geopolíticos no Ocidente. Tanto o caso dos Patriot como dos tanques, mais recentemente, envolveram uma série de negociações, com consultas entre os líderes ocidentais, tentando prever a reação da Rússia em cada cenário, para evitar uma escalada da guerra.
Em um conflito aberto e violento, muitas vezes menos é mais. No caso da Ucrânia, antes da ofensiva que recuperou território, a maior concentração de tropas em uma faixa mais estreita facilitava a defesa, incluindo o fato das linhas logísticas serem mais curtas. Agora, esse ônus se inverteu, uma vez que o território a ser defendido pela Ucrânia aumentou e o russo diminuiu.
Dentro desse contexto, algumas das novas armas cedidas a Kiev, apesar de aumentarem o poder de fogo, aprofundam a complexidade das operações. A eficácia dos tanques M1 Abrams, dos EUA, dependerá da capacidade de abastecimento com combustível de jato, além de outras necessidades de manutenção que podem limitar o real impacto dos blindados.
Dependência
À medida que armas mais modernas são enviadas a Kiev, maior fica se torna a dependência da Ucrânia dos aliados ocidentais. “A Ucrânia agora é dependente da Otan. Significa que quanto mais a guerra avançar, mais os fabricantes alemães, americanos e franceses terão de desviar equipamentos, desabastecendo outros aliados estratégicos, como Taiwan. Por quanto tempo isso é sustentável?”, questiona Gomez.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.