• Arjan Meijer: ‘A crise da pandemia está ficando para trás’

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  • 18/07/2022 09:00
    Por Luciana Dyniewicz*, enviada especial / Estadão

    Presidente do principal segmento da Embraer, o de aviação comercial, o holandês Arjan Meijer afirma que a crise da pandemia está ficando para trás, mas que ainda é preciso aguardar o processo lento de venda de aviões para voltar a um patamar normal. “Esse processo leva, em média, pelo menos um ano para chegar à assinatura dos contratos. E aí você tem de fabricar as aeronaves. Então, acho que estamos no ritmo esperado, mas é preciso ser paciente.”

    Meijer assumiu o comando da aviação comercial da Embraer em junho de 2020, quando o segmento era reincorporado à companhia após ser desmembrado para ser vendido à Boeing, em uma operação fracassada. O executivo diz que, para deixar essa história também para trás, a companhia aposta em seu portfólio e nas tendências do mercado pós-pandemia. Isso porque a aviação regional – que utiliza aviões menores, como os da Embraer – e a sustentabilidade têm ganhado força na retomada do setor. Confira trechos da primeira entrevista do executivo a um jornal brasileiro.

    Como o sr. avalia a recuperação da aviação?

    Estamos vendo uma demanda reprimida em todo o mundo. O desafio é que reduzimos os negócios em geral, e agora precisamos fazê-los crescer novamente. Mas acreditamos que estamos saindo da crise completamente diferentes do que entramos. Antes, era como se houvesse um crescimento ilimitado, e todo mundo (empresas aéreas) estava adicionando mais e mais assentos, aeronaves cada vez maiores. Agora, no pós-crise, vemos novas tendências. Uma delas é a regionalização. Vemos também a preocupação crescente com sustentabilidade. Tem ainda a guerra na Ucrânia, efeitos inflacionários, preços de combustível em alta. O mundo, daqui para frente, é muito incerto. Então, as companhias aéreas também ficarão mais avessas ao risco, enquanto precisam de lucratividade para pagar as dívidas. Essa nova realidade se conecta com os produtos da Embraer. Estamos bem posicionados com uma aeronave menor, como as da família E2, que têm um custo de viagem menor (por gastar menos combustível). Acho que podemos ajudar nossos clientes na retomada. Eles podem ser mais ágeis, não precisam preencher todos os assentos adicionais (de aviões maiores), mas ainda obterem recompensas dos baixos custos por assentos.

    Acha que essas mudanças serão permanentes?

    No caso da sustentabilidade, a mudança é permanente. Aí nós não estamos olhando apenas para o E2 (nova família de aviões da empresa), mas também para o turboélice (modelo de aeronave que a companhia está desenvolvendo). É uma tecnologia que pode realmente reduzir as emissões.

    Mas vocês já afirmaram que só vão desenvolver o projeto se houver algum parceiro…

    Sim, mas estamos muito determinados a trazer essa aeronave para o mercado, principalmente agora que a preocupação com a sustentabilidade cresceu. Estamos estudando como trazer novas tecnologias. A Airbus e a Boeing, que têm aeronaves maiores, podem usar SAF (combustível sustentável de aviação) ou talvez hidrogênio verde (combustível limpo obtido a partir de água ao se separar o hidrogênio do oxigênio). Esses aviões não poderão usar baterias nem ser híbridos (por serem muito grandes). No nosso segmento de até 150 assentos, podemos olhar para a eletricidade, para o híbrido, para células de combustível. Há mais oportunidades.

    No mercado financeiro, a Embraer se recuperou relativamente bem da crise e da desistência da Boeing de comprar seu segmento de aviação comercial. Isso aconteceu não por causa da aviação comercial, mas porque a empresa cortou custos e o mercado ficou otimista com o desenvolvimento do eVTOL (o ‘carro voador’). Quando a aviação comercial voltará a ser o destaque da empresa?

    Estamos quase lá, mas podemos melhorar um pouco mais. Tivemos de reduzir nossos volumes em 2021 para atravessar a crise. Esse era o único modo (de sobreviver). Mas também reduzimos custos. Houve um foco grande nisso. Aí conseguimos apresentar resultados relativamente bons no ano passado. Temos uma base forte para crescer. Devemos entregar de 60 a 70 aeronaves (em 2019, último ano antes da pandemia, foram 89). É um grande passo que estamos dando, especialmente se você olhar o crescimento (se forem entregues 70 jatos neste ano, o crescimento terá sido de 31%). E queremos crescer mais daqui para frente. Outra coisa que gostaria de dizer: tivemos a incerteza com a Boeing por quase dois anos, antecedendo a crise. Depois, entramos na crise, um período em que não havia muita atividade no mercado. O que você vê agora são muitas companhias aéreas tendo de tomar decisões. As frotas delas precisam avançar em sustentabilidade. As empresas estão olhando para o nosso segmento, mas esses negócios levam tempo para serem fechados. Não são investimentos pequenos. Faz três meses que estamos vendo o mercado se recuperar. As empresas estão começando a ganhar velocidade, mas teremos de dar tempo a elas. O cenário é positivo.

    Mas quando vamos ver que a crise ficou para trás e que as companhias aéreas voltaram a comprar?

    Acho que isso está acontecendo agora, mas temos de passar pelo processo normal de venda. Esse processo leva, em média, pelo menos um ano para chegar à assinatura dos contratos. E aí você tem de fabricar as aeronaves. Então, acho que estamos no ritmo esperado, mas é preciso ser paciente.

    Quando vocês fecharam a venda para a Boeing, que depois seria desfeita pela empresa americana, vocês falaram que a Embraer precisava do negócio para competir com a Airbus. Isso porque a Airbus havia comprado o A220 da Bombardier, um avião que está no mesmo segmento dos da Embraer. Como está agora a aviação comercial da Embraer sem a Boeing?

    Nós trabalhamos em um acordo com a Boeing, em 2018 e 2019, que não foi para frente em 2020. Estávamos em um mercado completamente diferente naquela época. Qual é o mercado hoje? Acreditamos que a Embraer tem um portfólio muito mais forte e também que há mais motivos para as companhias aéreas nos olharem. O mercado mudou. Quando o acordo com a Boeing caiu, ficamos muito desapontados, porque estávamos trabalhando duro para que ele acontecesse. Mas agora, dois anos depois, acho que temos produtos e projetos muito fortes, como o turboélice. O segmento de até 150 assentos pode ajudar os clientes nas questões de sustentabilidade e de enfrentar a crise. Acreditamos que estamos em uma posição muito boa sem a Boeing, e competir com o A220 não é apenas uma questão de preço, mas de como esse avião se encaixa na frota das companhias aéreas. Que receita o cliente pode gerar com essa aeronave? Qual alcance eles precisam? E qual é o nível de custo total além do preço de compra?

    A Airbus não tem uma condição melhor de negociar com os clientes, dado que pode oferecer diferentes produtos para uma única companhia?

    Haverá momentos em que eles terão vantagens nas negociações. Haverá também momentos em que nós sairemos melhor. Existem muitos jatos da Embraer no mercado hoje. Então, há muitos benefícios para as companhias trocarem seus modelos para os da família E2 e, realmente, depende do que as empresas estão precisando.

    *A REPÓRTER VIAJOU A CONVITE DA ASSOCIAÇÃO INTERNACIONAL DE TRANSPORTES AÉREOS (IATA)

    As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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