• Após apagões, ministério vê razões para cancelar contrato da Enel em SP

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  • 02/abr 07:30
    Por Luciana Collet e Ludmylla Rocha / Estadão

    Após reiterados apagões em São Paulo nos últimos seis meses, com clientes ficando dias sem abastecimento até na região central da capital paulista, o Ministério de Minas e Energia (MME) encaminhou ofício nesta segunda-feira, 1º, à Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) solicitando a abertura de um processo para avaliar a atuação da Enel São Paulo. O ofício do MME destaca, em vários momentos, que a análise da Aneel deve levar em consideração uma possível caducidade (cancelamento) do contrato.

    O grupo italiano disse, em nota oficial, que cumpre todas as determinações contratuais. A Aneel terá 20 dias para responder ao MME, apresentando as primeiras ações de fiscalização. A estimativa é de que um eventual cancelamento do contrato, se levado a efeito, poder demorar seis meses.

    No ofício, o MME destaca a necessidade de avaliar não somente a prestação dos serviços em relação a indicadores e parâmetros de qualidade como também se há justamente “descumprimento das cláusulas contratuais”. Outra meta é verificar se a concessionária “deixou de atender intimação da agência reguladora para a regularização da prestação do serviço”.

    O texto diz ainda que a “adimplência contratual da concessionária deve ser rigorosamente avaliada e, na eventual inobservância caracterizada pela Aneel, sanções devem ser impostas, eventualmente incluindo a declaração de caducidade”, citando o contrato de concessão. Esse cancelamento seria precedido de processo administrativo para verificação das infrações ou falhas, sendo assegurado amplo direito de defesa e garantida a indenização das parcelas dos investimentos vinculados.

    Multas

    Por outro lado, o ofício cita que, após as sucessivas falhas de fornecimento desde novembro, o MME já tinha notificado a Aneel para que acompanhasse a atuação da Enel SP e tais solicitações embasam demanda para fins de regularização da prestação dos serviços, nos termos de outra cláusula contratual – que diz que, em casos de descumprimento das penalidades impostas por infração ou descumprimento de notificação, “poderá ser decretada a caducidade”.

    Nessa cláusula contratual, fala-se em perda de contrato ‘independentemente da apuração das responsabilidades da concessionária pelos fatos que motivaram a medida” – nos vários eventos, a concessionária destacou a contribuição de tempestades incomuns, ação de outras empresas (como a Sabesp) e mesmo situações atípicas causadas pelo aquecimento global.

    O ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, afirmou existir mais de R$ 300 milhões em multas aplicadas à concessionária e nenhuma foi paga. À Globo News nest segunda, 1º, ele disse que “a Enel demonstra de forma reiterada que está despreparada para prestar o serviço à altura do que a população brasileira exige” e que já foram dadas todas as oportunidades. Em nota, a concessionária negou ter multas em atraso. Informou que já pagou parte delas e outras se encontram em “fase de recurso, seguindo trâmites normais do setor”.

    Indicadores

    Ainda conforme o ofício, o tempo médio de restabelecimento do fornecimento pela Enel SP está pior que a média das demais distribuidoras. Houve, de acordo com o MME, aumento considerável da quantidade de interrupções e de unidades consumidoras afetadas por desligamentos superiores a 24h.

    Além disso, o tempo médio de preparação – que avalia a eficiência dos meios de comunicação – esteve 95% superior à média das demais concessionárias de distribuição do Estado de São Paulo nos anos de 2022 e 2023. A empresa, por sua vez, destacou em nota que todos os seus indicadores são melhores do que os anteriores à concessão e acima dos propostos pela Aneel.

    O que diz a Enel

    A Enel declarou em nota oficial que “cumpre integralmente com todas as obrigações contratuais e regulatórias relacionadas à concessão em São Paulo” e disse reiterar seu compromisso “com a população em todas as áreas em que atua” e que “seguirá investindo para entregar uma energia de qualidade”.

    Ainda na nota, a concessionária afirma estar implementando um plano estruturado que inclui investimentos no fortalecimento e na modernização da estrutura da rede, na digitalização do sistema e na ampliação dos canais de comunicação com os clientes, além da mobilização antecipada de equipes em campo em caso de contingências. Também diz que o plano contempla o aumento significativo do quadro de pessoal próprio. “Em São Paulo, desde 2018, quando assumiu a concessão, a Enel já investiu R$ 8,36 bilhões.” Segundo a empresa, como reflexo dos investimentos, os indicadores operacionais registraram melhora de quase 50% e estão acima das metas estabelecidas pela Aneel. Por fim, o grupo italiano reiterou que pretende investir no Brasil R$ 18,4 bilhões até 2026.

    A visão do setor

    O diretor-presidente da Associação Brasileira de Companhias de Energia Elétrica (ABCE), Alexei Vivan, defendeu a Enel e pediu cuidado à agência, em entrevista à CNN. “Não acreditamos haver fundamento para a aplicação da pena mais grave da caducidade da concessão, ou seja, de cancelamento.”

    Reação na política

    No ofício, o Ministério de Minas e Energia cita que “a classe política, em representação aos interesses da população, também tem se manifestado e cobrado a atuação do Poder Público”. O prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes (MDB), criticou a empresa várias vezes e até já a acionou judicialmente. “Chegou o momento de o governo federal entender o sofrimento das pessoas. Então o caminho deve ser esse mesmo, porque a Enel não tem condições de tocar esse processo”, disse Nunes ontem.

    Anteriormente, a empresa deixou de prestar o serviço em Goiás após vários blecautes, em setembro de 2022, quando optou por vender a distribuição de energia no Estado para a Equatorial, por R$ 1,6 bilhão. “Enel é caso de polícia. Tem de ser jogo pesado. Eu consegui expulsá-los”, afirmou o governador Ronaldo Caiado (União), em novembro, à Coluna do Estadão.

    Reação de especialistas

    O envio do ofício não teve aval de muitos especialistas. “Não sei se a melhor forma de se fazer as coisas é pressionando a Aneel. É bom para a opinião pública, mas não sei se é a maneira mais adequada”, disse o ex-diretor da Aneel Edvaldo Santana. Para ele, existem várias maneiras para não se chegar a esse ponto, e citou o chamado da empresa para conversar sobre as falhas.

    Para o advogado especialista em energia André Edelstein, é necessário que a concessionária tenha a prévia oportunidade de sanar as irregularidades apontadas.

    Por fim, para o advogado sócio do escritório Lefosse, Raphael Gomes, embora efetivamente caiba ao MME cobrar a Aneel algum tipo de análise sobre o caso, a iniciativa do ministro tem uma conotação política e carrega “antecipação de entendimentos”, com uma aparição na mídia que o preocupa.

    O presidente do Instituto Acende Brasil, Claudio Sales, criticou o que vê como uso político da medida.

    Tempo de resposta em 2024 é o pior da história

    Os indicadores de tempo para preparação de equipes e execução de serviços até o restabelecimento de energia elétrica da Enel São Paulo chegaram aos piores patamares da série histórica nos dois primeiros meses de 2024, segundo dados da Aneel obtidos pelo Broadcast/Estadão (sistema de notícias em tempo real do Grupo Estado. As equipes responsáveis na capital paulista e em mais 23 cidades da região metropolitana de São Paulo levaram mais de 13 horas (783,28 minutos, mais precisamente) para se prepararem para atendimento emergencial.

    O indicador – chamado formalmente de Tempo Médio de Preparação (TMP), que avalia fatores como a eficiência da comunicação, o dimensionamento das equipes e dos fluxos de informação dos centros de operação – supera em mais de uma hora o período médio calculado para 2023, de pouco mais de 11 horas ou 668,75 minutos, que já era o pior desde 2009, quando começam os registros.

    Já o tempo médio para o restabelecimento do serviço em caso de emergência, o Tempo Médio de Execução (TME), ultrapassou pela primeira vez a marca de duas horas ao saltar para 125,8 minutos. Antes, a pior marca havia sido de 2016, com 112,41 minutos. À época, a concessão era da AES Eletropaulo.

    As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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