Após 57 anos do golpe militar, Casa da Morte serve como memória dos horrores vividos durante a ditadura
A Casa da Morte localizada no Caxambu é uma das poucas memórias físicas já reconhecidas dos horrores vividos durante os 21 anos de ditadura militar (1964-1985) no Brasil. Em 2018, um decreto municipal fez o tombamento do imóvel, mas os proprietários entraram na justiça pedindo a anulação do decreto. A Prefeitura entrou com um agravo em recurso especial no Superior Tribunal de Justiça (STJ) e aguarda nova decisão.
Após 57 anos do golpe militar, o reconhecimento da casa como um Centro de Memória é urgente. Nesta quarta-feira, o recém nomeado Ministro da Defesa, Walter Souza Braga Neto, fala em celebrar a data histórica em tom de comemoração.
Na noite de terça-feira (30), o Ministro da Defesa publicou a Ordem do Dia Alusiva ao 31 de março de 1964. Ele diz no texto que “o movimento de 1964 é parte da trajetória histórica do Brasil. Assim devem ser compreendidos e celebrados os acontecimentos daquele 31 de março”. Cita o fim da Segunda Guerra Mundial e diz que o pós-Guerra Fria deixou o Brasil em grave ameaça a democracia. E, que isso, levou o Brasil ao que ele chama de “movimento de 31 de março de 1964”.
Para o professor e doutor em História Política (UERJ), Leandro Gavião, a nota do Ministério da Defesa é uma forma de tentar deslegitimar e criar uma nova narrativa para o período da ditadura.
“Isso tem muito a ver com a própria base de sustentação ideológica do governo Bolsonaro, que trabalha muito no sentido de recriar uma narrativa sobre o período da ditadura. Tentando minimizar tudo que negativo e tentando exaltar pontos positivos e tentar justificar o que é inquestionável. A tortura? É inquestionável. Ele tenta deslegitimar isso argumentando que os grupos que foram torturados eram grupos terroristas. Que não estavam interessados na redemocratização do Brasil. Portanto, dentro daquela conjuntura da década de 60, dentro daquela conjuntura de Guerra Fria foi uma medida extrema, mas necessária. Eles tentam muito passar essa imagem. Tentar legitimar os atos do estado durante a ditadura e utilizar a própria ditadura como um episódio de comemoração no sentido de que foi uma etapa dura, mais necessária”, explica Leandro.
Passados esses 57 anos, o que é chamado de “movimento” pelo Ministro da Defesa foi um Golpe Militar. E saber desse fato só é possível através da história e da preservação da memória. A Casa da Morte que funcionava como um centro clandestino de tortura durante a ditadura, só foi reconhecida graças a memória da ex-militante Inês Itienne Romeu, que lembrou o número de telefone da casa e conseguiu, anos mais tarde, através deste número localizar seu endereço.
Para o professor e doutor em História Política (UERJ), Leandro Gavião, é importante ter esses espaços de memória, porque eles podem cumprir um papel de lembrar episódios traumáticos no sentido de memorar a história para evitar que aquilo se repita.
“A gente tem um museu da escravidão, que evidentemente não é para comemorar a escravidão, mas para lembrar da escravidão. Não ignorar o passado. Aqui a função da Casa da Morte seria essa, seria fundamental que ela fosse convertida em um Centro de Memória para a gente poder ter contato com essa página da nossa história. Porque dessa forma a gente contribuiria para minimizar o discurso que, muitas vezes, fica em defesa da ditadura, que são discursos vazios. Discursos que são feitos sem qualquer reflexão. Então ajudaria nisso, lembrar o que foi a ditadura. Porque vejo que existe essa batalha narrativa de ser a favor da ditadura, mas ignorando tudo o que envolve a ditadura”, disse Leandro.
Essa página da história é lembrada como um período de horror, marcado pela opressão, violência e desrespeito aos diretos humanos. E muitos dos que saem em defesa desse período se justificam no crescimento econômico que foi registrado na época. Mas Leandro lembra que a ditadura deixou um legado de grave crise econômica para o próximo período político.
“A ditadura é muito lembrada como um período de muito crescimento, que o Brasil cresceu muito que foi prosperidade para todos, isso é meia verdade. O Brasil cresceu absurdamente durante o período da ditadura, até a segunda metade dela. E sai para a democracia deixando um legado maldito. De ter que reconstruir a democracia, ter que reconstruir os direitos humanos, ter que reconstruir uma série de instituições que foram suprimidas na ditadura e ai ficou uma crise econômica gigante. As pessoas acham que a crise é exclusiva da democracia, mas não, ela vem da ditadura militar. O projeto de crescimento acabou rápido”, disse Leandro.
Grupo faz vaquinha para desapropriar a Casa da Morte
Além do decreto de tombamento, a Prefeitura publicou um segundo decreto, em dezembro de 2019, desapropriando o imóvel, com o fim de transformá-lo em um Centro de Memória, Justiça e Verdade. Mas sem recursos não foi possível dar prosseguimento ao projeto.
O Grupo Inês Itienne Romeu, criado em memória da ex-militante e única sobrevivente da Casa, faz uma vaquinha pela desapropriação do imóvel. E conta com a apoio de diversos grupos e entidades que vem há anos lutando pela memória das vítimas dos horrores da ditadura, como o Grupo Pró-Memorial Casa da Morte, Centro de Defesa dos Direitos Humanos (CDDH) de Petrópolis, Comissão da Verdade, entre outros.