• Apenas por uma questão de esclarecimento

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  • 23/07/2023 08:00
    Por Ataualpa A. P. Filho

    Tenho frequentado as aulas de silêncio. Tenho exercitado bastante a contenção de palavras. Tenho procurado falar menos e ouvir mais. A minha dificuldade está em consentir sem refletir. A expressão popular “quem cala consente” não me ajuda. Só consigo co-sentir. O co-sentimento, para mim, é mais fácil: sentir junto, compartilhar a dor, a indignação, ser solidário, assinar as manifestações de repúdio diante das injustiças.

    Preciso estabelecer aqui alguns esclarecimentos na condução da nossa prosa. Por isso, mais uma vez, retomo as lembranças da adolescência, quando me apaixonei pela Poesia em Teresina. Na mala que coloquei na cabeça para vir ao Rio de Janeiro, já havia o gosto pelas palavras, pela tradução do sentimento em versos. E, “em ritmo de aventura”, fiz alguns livros sem nenhuma noção do processo editorial. Tais livros, passei a vender pelos bares, além de recitar poemas nos intervalos naqueles em que havia “música ao vivo”.  Isso no final da década de 70 e na década de 80.

    A geração de escritores que bancavam seus próprios livros e saíam vendendo em bares, filas de teatro, de cinema, ou que recitavam versos em praças para atrair o público e divulgar seu trabalho, recebeu o rótulo de “Geração Mimeógrafo”. Isso porque muitos produziam os livros em mimeógrafos, ou seja, exerciam um trabalho artesanal: além de escrever os poemas, confeccionavam a capa, ilustravam as páginas e reproduziam os exemplares. E os poemas que se propagavam assim, fora do circuito convencional, ficaram conhecidos como portadores da “Poesia Marginal”, isto é, uma poesia que ficava à margem do mercado dominado pelas editoras tradicionais.

    Paulo Leminski, considerado como um dos representastes da Poesia Marginal, escreveu: “Marginal é quem escreve à margem,/ deixando branca a página/ para que a paisagem passe/ e deixe tudo claro à sua passagem./ Marginal, escrever nas entrelinhas/ sem nunca saber direito/ quem veio primeiro,/ o ovo ou a galinha.”

    É válido ressaltar que o regime político da época havia instituído uma censura diante das produções culturais. O escrever à margem, portanto, parecia uma situação ilícita, principalmente pelo conteúdo dos poemas que não passavam pelo crivo de um conselho editorial. Hoje poetas que eram considerados como da Poesia Marginal estão nas prateleiras das poucas livrarias que ainda restam no país: Torquato Neto, Chacal, Ana Cristina Cesar, Wally Salomão, Cacaso, Paulo Leminski…

    Outro ponto que merece destaque está relacionado à expressão “Seja Marginal, seja Herói”, do artista plástico carioca Hélio Oiticica, exposta em uma bandeira, tendo ao lado a foto de Manoel Moreira, um senhor ligado ao mundo do crime, que ficou conhecido como Cara de Cavalo, morador da Favela do Esqueleto, local em que hoje se encontra o prédio da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Isso na década de 60.

    Charles Baudelaire, Paul Verlaine, Arthur Rimbaud, Stephane Marlarmé, Gregório de Matos são alguns autores que foram considerados malditos, mas hoje enaltecidos internacionalmente.

    Peço desculpa pelo longo preâmbulo, pois venho apenas dizer o óbvio: precisamos ter cuidado com a significação das palavras.  Quando usadas insensatamente, podem ferir.

    Dentro de uma concepção básica, “professor” é quem professa. A origem dessa palavra está no latim “professus”, designa a pessoa que fala publicamente. O vocábulo deriva do verbo “profitare” (pro – “à frente” – fateri – “conhecer”).

    A palavra “doutrina” também vem do latim “doctrina” que significa “ensino”, “instrução”. O “doutrinador” é quem “professa a doutrina”. “Doutrina” e “ideologia” são palavras com raízes etimológicas e significações diferentes. “Esquerda” e “direita” são posicionamentos em função de um referencial. Na expressão “professor doutrinador”, há uma redundância, independente do posicionamento ideológico.  

    Posicionar-se à margem do ódio, das injustiças, das segregações, do tráfico de influência, do clientelismo, dos crimes que lesam a pátria consiste em uma atitude cidadã. O processo educacional não se limita à sala de aula. A “doutrinação” não está restrita aos muros das instituições de ensino. Também se “doutrina” em palanques, em coretos, em câmaras legislativas…

    Reitero: o mundo é uma sala de aula. O processo de aprendizagem é contínuo e exige posicionamento. Tenho como referência o Amor e o Bem Comum. Portanto, sempre estarei à margem do ódio. E sigo com a Poesia Marginal.

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