• Ao contrário de seus antecessores, Biden mantém ceticismo com Putin

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  • 16/06/2021 15:01
    Por Aamer Madhani, Associated Press / Estadão

    O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, fala frequentemente sobre o que considera central na execução de uma política externa eficaz: a construção de relacionamentos pessoais. Mas, ao contrário de seus quatro antecessores mais recentes da Casa Branca, que se esforçaram para estabelecer um certo relacionamento com Vladimir Putin, Biden deixou claro que a virtude de fundir uma conexão pessoal pode ter seus limites quando se trata do líder russo.

    O presidente americano, que se encontra com Putin frente a frente nesta quarta-feira, 16, em Genebra, está ciente da capacidade do líder russo de sobreviver, mesmo com seu país diminuindo como potência econômica mundial.

    Biden repetiu uma anedota sobre seu último encontro com Putin, há dez anos, quando ele era vice-presidente e Putin estava servindo como primeiro-ministro. Putin fez uma pausa na presidência porque a Constituição russa da época proibia um terceiro mandato consecutivo, mas ele ainda era visto como o líder mais poderoso da Rússia.

    Biden disse ao biógrafo Evan Osnos que, durante aquela reunião em 2011, Putin lhe mostrou seu ornamentado escritório em Moscou. O americano lembrou-se de ter provocado Putin – um ex-oficial da KGB – dizendo: “É incrível o que o capitalismo pode fazer”.

    Em seguida, Biden disse que se virou e, de pé, a centímetros de Putin, disse a ele: “Sr. primeiro-ministro, estou olhando nos seus olhos e não acho que o sr. tenha alma”. Segundo o presidente americano, Putin sorriu e respondeu: “Nós nos entendemos”.

    O líder russo, por sua vez, disse em uma entrevista à NBC News transmitida na segunda-feira que não se lembrava de tal diálogo. “Não me lembro dessa parte específica de nossas conversas”, disse Putin.

    O comentário de Biden foi em parte uma crítica ao ex-presidente George W. Bush, que enfrentou o ridículo após seu primeiro encontro com Putin, quando disse que havia olhado Putin nos olhos e, segundo ele, ter tido uma noção de sua alma.

    Mas, ao relembrar sua conversa de uma década atrás com Putin, Biden também tentou demonstrar que está perspicaz sobre o líder russo de uma forma que seus antecessores não eram. Biden e Putin agora estão se encontrando novamente, em um momento em que a relação EUA-Rússia parece ficar mais complicada a cada dia.

    Biden tem criticado Putin repetidamente – e aplicou sanções contra entidades e indivíduos russos que estão na órbita do líder russo – sob alegações de interferência russa nas eleições de 2020 e o hackeamento de agências federais americanas que ficou conhecido como violação SolarWinds.

    Apesar das sanções, Putin não se comoveu. Ataques cibernéticos nos EUA originados de hackers russos nas últimas semanas também impactaram um grande oleoduto e o maior fornecedor de carne do mundo. Putin negou envolvimento do Kremlin.

    Michael McFaul, um ex-embaixador dos EUA na Rússia que esteve com Biden na reunião de 2011 com Putin, disse em uma entrevista que o americano pode ter um ceticismo mais profundo e talvez uma visão mais aprofundada de Putin do que qualquer um de seus antecessores na Casa Branca. “O conhecimento de Biden sobre a região pode ser maior do que qualquer outra pessoa que tenha ocupado o cargo antes”, disse McFaul.

    “Biden passou um tempo na Geórgia. Ele passou muito tempo na Ucrânia. Eu viajei com ele para a Moldávia, e ele passou muito tempo nas partes orientais da aliança da Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte). Ele esteve nesses lugares e ouviu em primeira mão sobre a agressão russa e a ameaça russa. … Criou um componente único de sua análise sobre Putin que outros presidentes não tiveram.”

    De fato, como presidente, Biden disse que tomaria uma abordagem muito diferente em seu relacionamento com Putin do que o ex-presidente Donald Trump, que mostrou deferência incomum ao russo, e os três outros ex-presidentes dos EUA, cujas vidas políticas foram sobrepostas pelo tempo de Putin no poder.

    Durante a primeira visita de sua presidência ao Departamento de Estado, em fevereiro, Biden disse aos funcionários da agência que os dias de ‘mandos e desmandos’ para Putin haviam acabado – um tiro não tão velado contra Donald Trump. Mais tarde, em uma entrevista à ABC News, Biden respondeu afirmativamente que Putin era um assassino.

    A tendência de Trump de se ajoelhar diante de Putin fez com que muitos em Washington questionassem abertamente se os russos tinham algo embaraçoso sobre o magnata do mercado imobiliário. Tanto Trump quanto Putin negaram publicamente a especulação.

    Trump repetidamente tentou evitar a contenção generalizada – sublinhada pelas descobertas da inteligência dos Estados Unidos – de que a Rússia interferiu nas eleições de 2016 nos Estados Unidos. Questionado em sua entrevista coletiva conjunta no final de uma cúpula em 2018 em Helsinque (Finlândia) em quem ele acreditava – se na inteligência dos EUA ou em Putin – Trump hesitou.

    Sem comentários

    A Casa Branca disse que Biden não realizará uma entrevista coletiva conjunta com o líder russo, mas falará com a mídia por conta própria após a reunião de quarta-feira. Funcionários do governo dizem que Biden não quer elevar Putin. Questionado no domingo por que anos de sanções dos EUA não mudaram o comportamento de Putin, Biden riu e respondeu: “Ele é o Vladimir Putin”.

    Barack Obama assumiu o cargo buscando uma redefinição da relação EUA-Rússia, um esforço para melhorar as relações com a liderança russa e encontrar áreas de interesse comum. Antes de sua visita a Moscou, no início de seu primeiro mandato, Obama falou com desdém de Putin, dizendo que o então primeiro-ministro tinha um pé nas velhas formas de fazer negócios e outro nas novas.

    Mas depois de se encontrar cara a cara durante a viagem, Obama declarou que estava muito convencido de que o primeiro-ministro era um homem atual e estava de olho no futuro.

    Esse sentimento não durou. Quando Obama e Putin se encontraram à margem da cúpula do Grupo dos Oito (G-8), de 2013 na Irlanda do Norte, o esforço de reinicialização das relações estava quase morto.

    Na época, os líderes do G-8 pressionavam, sem sucesso, para que Putin se juntasse a um apelo para que o presidente sírio, Bashar Assad, renunciasse.

    O ex-terceirizado da Agência de Segurança Nacional (NSA, na sigla em inglês) dos Estados Unidos Edward Snowden havia sido autorizado a permanecer na Rússia depois de divulgar informações secretas americanas.

    O desdém de Obama e Putin um pelo outro era palpável. Ao posarem para uma foto perante à imprensa na Irlanda do Norte, eles se sentaram carrancudos e evitaram se olhar. Em 2014, depois que a Rússia invadiu a vizinha Ucrânia, qualquer sinal de esperança por uma reinicialização havia evaporado.

    George W. Bush tentou seduzir Putin, hospedando-o em seu rancho em Crawford, Texas, e levando-o à propriedade de seu pai em Kennebunkport, Maine, onde os 43º e 41º (Bush pai) presidentes levaram o presidente russo para pescar.

    Mas Putin acabou confundindo Bush e o relacionamento foi seriamente prejudicado após a invasão russa de sua vizinha Geórgia, em 2008, após o presidente georgiano na época, Mikheil Saakashvili, ordenar que suas tropas entrassem na região separatista da Ossétia do Sul.

    Bill Clinton foi o primeiro presidente dos EUA a negociar com Putin, encontrando-se com ele pela primeira vez em 1999 às margens da reunião da Cooperação Econômica Ásia-Pacífico (Apec, por sua sigla em inglês). Isso foi meses antes de Putin suceder Boris Yeltsin como presidente e um pouco mais de um ano antes do fim da presidência de Clinton.

    Em um telefonema com o primeiro-ministro britânico Tony Blair, em novembro de 2000, Clinton chamou Putin de “um cara com muita ambição pelos russos”, mas também expressou preocupação de que ele pudesse “ficar mole na democracia”, segundo um transcrição da chamada publicada pelos Arquivos Presidenciais de Clinton.

    A secretária de Imprensa da Casa Branca, Jen Psaki, disse a repórteres na semana passada que Biden conhece Putin há muito tempo e nunca se conteve em expressar suas preocupações. “Não se trata de amizade. Não se trata de confiança”, disse Psaki. “É sobre o que é do interesse dos Estados Unidos. E, em nossa opinião, isso está se movendo em direção a um relacionamento mais estável e previsível.”

    Biden gerenciou vários relacionamentos complicados com líderes estrangeiros durante seus quase 50 anos na política. Ele desenvolveu um relacionamento com o chinês Xi Jinping – passando dias viajando com Xi pelos EUA e pela China.

    O presidente americano disse nos últimos dias a assessores que seu relacionamento com o turco Recep Tayyip Erdogan permaneceu forte, apesar das diferenças sobre o apoio dos EUA aos curdos no noroeste da Síria e de Biden depreciar Erdogan como um autocrata.

    Mas Putin deixou Biden com problemas fundamentalmente mais difíceis que a diplomacia pessoal não pode resolver, disse Rachel Ellehuus, vice-diretora do Programa para Europa, Rússia e Eurásia do Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais.

    “Com alguém como Erdogan, Xi ou o norte-coreano (Kim Jong Un), Biden teve a sensação de que temos algo que eles querem”, disse Ellehuus. “Biden há muito reconheceu que a única coisa que Putin realmente deseja é minar os EUA, dividir a Otan, dividir a UE. Biden sabe que há pouco terreno comum para trabalhar com Putin.”

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