• Antonio Cicero: leia a carta de despedida do poeta, que praticou o suicídio assistido na Suíça

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  • 23/out 17:07
    Por Sabrina Legramandi / Estadão

    Morreu nesta quarta-feira, 23, o poeta carioca Antonio Cicero, imortal da Academia Brasileira de Letras (ABL), letrista e irmão da cantora Marina Lima. Ele tinha Alzheimer e optou pelo suicídio assistido na Suíça.

    Na manhã desta quarta, junto com a notícia da morte, foi divulgada uma carta em que Cicero explica sua decisão.

    Ele menciona a palavra eutanásia. A origem da palavra vem do grego e significa “boa morte”. Ela consiste na aplicação de uma dose letal de algum remédio por um médico que esteja acompanhando o tratamento de um paciente em estado terminal, sem perspectiva de melhora. O que é permitido na Suíça, e também em outros países, na verdade, é o suicídio assistido, quando o próprio paciente toma o remédio letal. É usado na maioria das vezes também por pacientes em estado terminal, que sofrem de doenças incuráveis.

    Leia a carta de Antonio Cicero

    “Queridos amigos,

    Encontro-me na Suíça, prestes a praticar eutanásia.

    O que ocorre é que minha vida se tornou insuportável. Estou sofrendo de Alzheimer.

    Assim, não me lembro sequer de algumas coisas que ocorreram não apenas no passado remoto, mas mesmo de coisas que ocorreram ontem.

    Exceto os amigos mais íntimos, como vocês, não mais reconheço muitas pessoas que encontro na rua e com as quais já convivi.

    Não consigo mais escrever bons poemas nem bons ensaios de filosofia.

    Não consigo me concentrar nem mesmo para ler, que era a coisa de que eu mais gostava no mundo.

    Apesar de tudo isso, ainda estou lúcido bastante para reconhecer minha terrível situação.

    A convivência com vocês, meus amigos, era uma das coisas – senão a coisa – mais importante da minha vida. Hoje, do jeito em que me encontro, fico até com vergonha de reencontrá-los.

    Pois bem, como sou ateu desde a adolescência, tenho consciência de que quem decide se minha vida vale a pena ou não sou eu mesmo.

    Espero ter vivido com dignidade e espero morrer com dignidade.

    Eu os amo muito e lhes envio muitos beijos e abraços!”

    Quem foi Antonio Cicero?

    Irmão de Marina Lima, Antonio Cicero teve a trajetória na literatura cruzada com o universo da música. Escreveu letras de canções como Fullgás e Pra Começar em parceria com a irmã e também colaborou com outros artistas, como João Bosco, Adriana Calcanhotto e Lulu Santos. Com Lulu, foi coautor do sucesso O Último Romântico.

    Cicero começou a cursar filosofia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio) e, na sequência, estudou no Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Ele, porém, terminaria seus estudos em Londres, na Universidade de Londres, depois de precisar se mudar para a capital britânica em 1969 por problemas políticos.

    Ele é autor de diversas publicações de poesia e reflexões sobre a modernidade. Em 1994, em parceria com o poeta Waly Salomão, organizou o livro O Relativismo Enquanto Visão do Mundo (Editora F. Alves), que reuniu conferências realizadas no projeto Banco Nacional de Ideias, promovido pelos dois poetas com intelectuais de importância mundial.

    Dentre os livros de poemas, destacam-se Guardar (Editora Record), de 1996, e A Cidade e os Livros (Editora Record), de 2002. Cicero ainda teve o poema Guardar incluído na antologia Os Cem Melhores Poemas Brasileiros do Século (Editora Objetiva) em 2001 e foi finalista do Prêmio Jabuti pelos ensaios filosóficos reunidos em Finalidades sem Fim (Companhia das Letras) em 2005.

    Ele lançou, em 1996, o CD Antonio Cicero por Antonio Cicero, em que recita seus poemas, e participou, em 2002, de uma coletânea de quatro CDs feita com nomes como Gabriel o Pensador, Chico Buarque, Ronaldo Bastos e Fernando Brant em homenagem a Carlos Drummond de Andrade.

    Cicero foi eleito imortal na ABL no dia 10 de agosto de 2017, ocupando a cadeira número 27 e sucedendo Eduardo Portella. “O que é um poema imortal? Um poema imortal é um poema cujo valor não depende de fatores externos a ele: um poema, portanto, que vale por si”, declarou ele em seu discurso de posse.

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