• Antônio Candido, o crítico literário

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  • 22/05/2017 12:40

    No folclore nordestino, há uma canção que diz: “o meu boi morreu/ o que será de mim/ manda buscar outro, oh Maninha/ lá no Piauí”. Nesse realismo fantástico do imaginário popular, ressuscita-se o boi na alegria das festas juninas.

     Quando li, no dia 12/05, a notícia do falecimento do ilustre professor Antônio Cândido de Melo e Souza, aos 98 anos, no hospital Albert Einstein, em São Paulo, logo veio a pergunta: quando teremos outro crítico literário com o grau de conhecimento que ele possuía? …

    Somos iguais, mas cada ser humano é único. As individualidades são construídas com o viver. E, à medida que se ocupa espaço na luta pelo bem comum, mais a ausência é sentida quando se vai para a outra vida. A dimensão desse espaço pode dar uma noção da lacuna que precisa ser preenchida.  Com a morte de Antônio Cândido, ficou um imenso vazio nas lutas sociais e na crítica literária brasileira. Será difícil preenchê-lo….  

    É possível admirar uma pessoa pelo trabalho que executa.  Antônio Cândido, para mim, é uma referência.  A leitura de livros como “Formação da Literatura brasileira: momentos decisivos”, “Literatura e Sociedade: estudos de teorias e história literária” da autoria dele é, praticamente, uma obrigação para qualquer aluno do curso de Letras.  A travessia de quase um século de vida mostrou a integridade e a seriedade do trabalho desse brasileiro que se dedicou ao estudo literário.

     O crítico, antes de tudo, é um leitor assíduo que se coloca a serviço da arte. A análise, a interpretação bem fundamentadas favorecem a compreensão da obra. No capítulo “Terreno e as Atitudes Críticas” do primeiro livro acima citado, Antônio Candido afirmara:

    “As teorias e atitudes críticas se distinguem segundo a natureza deste trabalho analítico; dos recursos e pontos de vista utilizados.  Não há, porém, uma crítica única, mas vários caminhos, conforme o objeto em foco; ora com maior recurso à análise formal, ora com atenção mais aturada aos fatores.  Querer reduzi-la ao estudo de uma destas componentes, ou qualquer outra, é erro que compromete a sua autonomia e tende, no limite, a destruí-la em benefício de disciplinas afins.  

    Nos nossos dias, parece transposto o perigo de submissão ao estudo dos fatores básicos, sociais e psíquicos.  Houve tempo, com efeito, em que o crítico cedeu lugar ao sociólogo, ao político, ao médico, ao psicanalista.  Hoje, o perigo vem do lado oposto; das pretensões excessivas do formalismo, que importam, nos casos extremos, em reduzir a obra a problemas de linguagem, seja no sentido amplo da comunicação simbólica, seja no estrito sentido da língua.”

     A vida é dialética. Para que uma manifestação artística ganhe essa dimensão, não deve se restringir ao aspecto emocional, nem somente ao lado racional. A obra precisa espelhar o homem em plenitude. Questioná-lo e impulsioná-lo ao crescimento interior, possibilitando uma maior compreensão do real.  No Suplemento Literário d’ O Estado de São Paulo, 1957, com o título “A Compreensão da Realidade”, Antônio Cândido escrevera: “As obras mais completas são em geral as que manifestam simultaneamente os dois aspectos da realidade – o interior e o exterior”.

    Diante do intenso estudo desse crítico literário, ensaísta e sociólogo, fica claro que não dá para levar a sério o “achismo”. O posicionamento obtuso pautado apenas na ótica pessoal, sem fundamento algum, tende a cair em adjetivos que navegam na superficialidade do gosto narcísico, não enxerga o horizonte que há fora de si.

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