• Anthony Doerr faz defesa pelo meio ambiente no romance ‘Cidade nas Nuvens’

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  • 24/02/2022 07:00
    Por Ubiratan Brasil / Estadão

    Depois de ganhar o prêmio Pulitzer pelo romance Toda Luz que Não Podemos Ver, em 2014, o escritor americano Anthony Doerr não se intimidou com a fama mundial e, enquanto publicava alguns contos, preparou outra história de fôlego, Cidade nas Nuvens, lançada agora pela Intrínseca, sua editora no Brasil. São 754 páginas em que se alinham cinco personagens cujas histórias estão ambientadas entre os séculos 15 e 22, e tendo um texto clássico (mas fictício) como elo.

    “Sempre fui interessado pela importância do tempo na história da humanidade e, em particular, o nosso período de vida”, disse ele ao Estadão, em uma conversa por Zoom. “Estou com 48 anos, com sorte posso chegar aos 80 (meu avô viveu até os 84) e pretendo aprender o máximo que puder até lá, o que vai influenciar na minha escrita.”

    O valor que Doerr confere ao aprendizado é tamanho que Cidade nas Nuvens é dedicado a uma categoria encarregada de preservar a sabedoria humana: os bibliotecários. E isso é personificado no romance nas referências que amarram a trajetória dos personagens em momentos históricos distintos que não são apresentados de forma linear – os capítulos dão saltos no tempo e são como peças de um quebra-cabeça.

    A primeira figura apresentada é Konstance, menina de 14 anos que nunca pôs o pés na Terra, pois vive em uma nave estelar, alimentando-se de comida em pó e auxiliada por uma máquina de inteligência artificial chamada Sybil, que armazena todo o conhecimento humano. Estamos em 2146 e a aeronave Argos segue em busca de uma nova casa. Filha de um jardineiro que cultiva plantas frescas na viagem, Konstance arruma com cuidado pedaços de papel em cujas anotações a menina busca preservar uma história contada por seu pai e criada pelo filósofo grego Antônio Diógenes, provavelmente no século 1 d.C.

    PÁSSARO

    É o relato sobre Éton, homem que deseja ser transformado em pássaro e voar até um paraíso utópico no céu chamado Cuconuvolândia. Se Diógenes realmente existiu e o esquisito nome do sonhado local é inspirado em uma citação de As Aves, de Aristófanes, a amarração de tudo é fruto da imaginação de Doerr: é o fictício mito de Éton que faz o romance dar um salto no tempo e recuar até 1453.

    Naquele tempo, em Constantinopla, Anna, uma órfã de 13 anos, graças à sua paixão por livros e bibliotecas, descobre a figura de Éton, cuja história Anna conta para a irmã adoentada. O leitor muda o capítulo e se descobre na década de 1950, no Estado americano de Idaho, onde Zeno Ninis vai lutar na Guerra da Coreia. Capturado, consegue sobreviver e acaba traduzindo o manuscrito de Diógenes.

    Décadas depois, o ex-combatente, já trabalhando na biblioteca de sua cidade, Lakeport, ajuda um grupo de alunos a encenar uma peça de teatro, chamada Cuconuvolândia. O ano é 2020 e Seymour, um ecoterrorista, quer explodir uma bomba na biblioteca – como acredita que está vazia, ele pretende danificar os escritórios de uma incorporadora imobiliária vizinha. O problema é que o grupo está lá, ensaiando a peça com Zeno.

    TURNOS

    “Precisei estabelecer uma forma de trabalho para montar esse quebra-cabeça”, diz Doerr. “Assim, pela manhã, cuidava de uma época da história e, à tarde, de outra. Eram momentos em que eu vivia intensamente ao lado desses personagens e seus anseios e me preocupava em balancear o excesso de informação para não sobrecarregar a história – o equilíbrio era, de fato, minha preocupação.”

    O escritor conta que, desde jovem, é fascinado pela divisão geológica da trajetória humana, buscando suas características marcantes – no período Ordoviciano, por exemplo, quando surgem os peixes primitivos, e também seu antecessor, o Cambriano, conhecido pela explosão de vida na Terra, com o surgimento de organismos multicelulares, há 541 milhões de anos. “Essa organização cronológica foi útil na escrita do romance.”

    Assim, em Cidade nas Nuvens, o escritor combina pesquisa e imaginação e, embora não revele uma visão utópica e otimista, ele também não é cínico, derrotista e destruidor – busca o equilíbrio. “O que me interessava era mostrar a importância dos guardiães do conhecimento, sendo bibliotecários ou não – cada um dos personagens tem uma relação como uma figura assim”, conta Doerr. “Minha mãe era professora de Ciências e, quando estava cansada, ela ‘transformava’ a biblioteca em uma espécie de creche para mim e meus dois irmãos, o que me fez ver que esse lugar era um verdadeiro paraíso, onde eu me sentia seguro.”

    CLIMA

    Além da importância do conhecimento para a manutenção do ser humano, Doerr aponta ainda para a ameaça da destruição do planeta provocada pelo aquecimento global – não à toa, a nave que carrega Konstance busca um hábitat mais seguro e viável. “Estamos conectados historicamente aos nossos ancestrais, mas também por meio das nossas relações atuais. Basta notar que alguma alteração mais substancial no clima de Connecticut, por exemplo, pode afetar o de Goiás.

    Espécies animais estão desaparecendo, a pandemia atual pode ter sido provocada pela destruição ambiental. Como escritor, tenho o dever de refletir sobre isso – e convidar o leitor a vir comigo.”

    As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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