Antes promissor, setor de tecnologia hoje paga menos para os iniciantes
Salários menores, menos vagas disponíveis e cenário pior para novatos. Essa é a realidade que desenvolvedores e programadores têm enfrentado no mercado de tecnologia do Brasil. Há quatro anos, em meio ao impulso digital causado pela pandemia de covid-19, esse cenário parecia impossível. Mas não é o que acontece hoje, depois das demissões em massa que tomaram o setor nos últimos anos.
“O mercado de trabalho corrigiu as distorções nos salários após os layoffs”, explica Filippe Apolo, um dos coordenadores do estudo Guia Salarial Tecnologia 2024, realizado pela consultoria brasileira Fox Human Capital, da qual o executivo é sócio-fundador. O material, publicado em maio, traz um panorama atualizado do mercado para profissionais de tecnologia no Brasil, abordando salários de diferentes categorias, de CEOs a profissionais celetistas. “Antes, estava desequilibrado e irracional. Havia uma discrepância nos salários. E o mercado corrigiu o excesso de profissionais recebendo muito dinheiro.”
A correção começou em 2022. Esse foi o ano em que teve início a alta dos juros globais e em que as companhias de tecnologia começaram a perceber queda na demanda por seus serviços digitais, muito utilizados durante a pandemia de covid-19. O cenário desafiador forçou as empresas a buscar maior eficiência operacional, bem como a reduzir custos, o que resultou em demissões e enxugamento de áreas não tão lucrativas. Consequentemente, as equipes ficaram menores e a demanda por novos profissionais diminuiu.
TORNEIRA SECOU
Desenvolvedores e programadores sentiram as mudanças. Acostumados à tradicional fartura de salários altos e benefícios corporativos, de repente ficou comum ver esses profissionais anunciando suas demissões e buscando emprego nas redes sociais. Hoje, segundo eles, a bonança de antes não existe mais. A torneira secou.
O guia salarial da Fox Human aponta para mudanças nas faixas salariais dessas categorias de profissionais em tecnologia. Salários para desenvolvedores full stack, front end e back end com mais tempo de carreira (sênior) subiram, em média, 12% de 2022 para 2024. Para os juniores e plenos, encolheram 14,5%, em média.
Profissionais seniores ou até plenos estão mais requisitados do que antes, conclui o estudo da Fox Human. Com orçamentos menores, as empresas optam por contratar menos, mas com mais racionalidade – o que significa atrair pessoas com mais experiência que possam lidar com problemas maiores e tenham habilidades socioemocionais mais desenvolvidas. Esses profissionais, diz a consultoria, continuam com alta demanda pelo mercado de trabalho.
Assim, os profissionais juniores são os mais afetados. Até 2022, pessoas com seis meses de experiência conseguiam vagas que remuneravam acima da média do mercado, já que as empresas estavam mais dispostas a preencher lacunas e a treinar candidatos. O pêndulo das negociações mudou, e essas categorias estão sendo preteridas pelos mais experientes.
“A turma contratada a peso de ouro ficou disponível no mercado. Com o excesso de oferta de profissionais, os salários se equilibraram”, explica Apolo. Isso significa que as companhias de tecnologia agora têm mais poder de barganha para escolher os integrantes do time, e a preços mais baixos do que antes.
SALÁRIO EMOCIONAL
Para compensar, começou a ser reforçada a ideia do que a Fox Human chama de “salário emocional”. O termo se refere ao conjunto de benefícios que vão além do holerite mensal, como assistência médica, vale-transporte, vale-refeição e afins. Outro fator é o ambiente de trabalho, o que inclui o enfoque em saúde mental e em políticas de trabalho remoto.
“No momento em que os salários estão em baixa, olhar para o salário emocional é uma forma de atrair bons profissionais. Nossas empresas precisam ‘sambar’ mais para competir com as empresas que pagam em dólar, trazendo diferenciais como programas de diversidade, por exemplo”, diz o executivo. “Salário emocional é acolhimento, perspectiva, benefício. A companhia que não tiver vai perder competitividade no mercado.”
Com a popularização da inteligência artificial (IA), o mercado de tecnologia começa a adentrar no que se espera ser uma revolução no trabalho.
O IMPACTO DA IA
A nova forma de automação deve mudar não só a maneira como trabalhamos em escritórios, mas também como desenvolvedores e programadores atuam no mercado – em alguns casos, eles podem ser substituídos inteiramente por essas ferramentas. “Os profissionais que realizam funções mais repetitivas estão mais ameaçados”, explica o sócio da Fox Human. “Há três anos, um desenvolvedor demorava três a quatro horas para uma tarefa. Hoje, com IA, ele demora 20 ou 30 minutos para realizar o mesmo trabalho.”
Além disso, o estudo da Fox Human aponta que a IA deve aumentar a necessidade por mão de obra qualificada em tecnologia. Profissionais dessa área devem ser ainda mais escassos, já que as competências e as habilidades para manusear IA unem outros conhecimentos, como ciência da computação, matemática e estatística. Ou seja, a demanda por pessoas especializadas vai continuar crescendo, enquanto outras partes do mercado podem encolher. “A inteligência artificial é a maior revolução no mercado de tecnologia desde a criação da internet”, aponta Apolo. “É o mesmo rebuliço daquela época.”
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.