Antes do aleluia
A lua estava linda! Puxou-me pelo fio da saudade. Tenho o luar do sertão cristalizado na memória, cheio de recordações da infância. Época em que desejava ver São João menino com seu carneirinho lá no céu, ao lado do Cruzeiro do Sul, das Três Marias. Não contava estrelas para não ter verruga. Ao enxergar as cadentes, dizia: “Deus te guie, Deus te guie” até sumirem na imensidão do escuro. Hábito que não pede explicação, pois se carrega de avô, avó, pai e mãe…
O luar é mágico, no silêncio da noite, acolhe fantasias nutridas de esperança. Céu limpo, estrelado não nega a distância da chuva tão esperada. No luaredo, se anda sem lamparina, e a Estrela D’Alva guia caminhada.
Poesia é o vivido. Seja de alegria ou tristeza, o que salta em palavras é por metade, o inteiro fica guardado no silêncio do peito. A lembrança puxada pela força da saudade amansa o tempo com recordações de momentos felizes…
São agradáveis os instantes em que a satisfação chega de surpresa, sem mandar aviso. O acaso, às vezes, surpreende com aceno de paz entre pessoas que aspiram ao bem. Foi assim, ao apagar das lâmpadas do pátio da igreja, antes de acender a fogueira que iria iluminar o Círio Pascal, com a fé na Luz de Cristo, amigos que iriam participar da celebração do sábado de aleluia tiveram alguns minutos para uma prosa descontraída.
Não contive a saudade diante da lua cheia despontando atrás das árvores. Viajei por outros luares. Nem sempre temos a oportunidade de conversar como os índios à luz da lua em torno de uma fogueira. A urbanidade também tem as suas limitações. A brisa da noite apaga vela, mas é a que melhor espalha o cheiro da terra.
Confesso que acordei, naquele sábado, um tanto nostálgico. Abri os olhos e lembrei-me do menino que corria pela Vila Operária em que morava com um talo de buriti na mão para malhar judas pendurado em poste. A meninada acordava cedo, não importava o cartaz que o judas mantinha no pescoço. A diversão era malhar. Sabíamos das intrigas dos adultos. Mas não tomávamos partido, nossa malhação era literal.
Na citada noite de aleluia, em pouco tempo, ouvi belas histórias hilariantes. Uma foi coroada com boas risadas:
Um ilustre senhor temente a Deus, com excelentes serviços prestados à sociedade, confessava regularmente com um frei que também era dedicado à caridade, por isso era muito admirado por todos.
A esposa desse citado senhor passou a se confessar também com o mesmo frei. Só que um dia, o caridoso servo de Deus não se conteve, quebrou a discrição e indagou:
— Desculpe a má pergunta que vou lhe fazer, mas é preciso que mate a minha curiosidade: a senhora é casada com um santo ou com um mentiroso?
Diante da inesperada pergunta, a esposa não perdeu a calma, manteve a serenidade e respondeu:
— Mentiroso, eu lhe garanto que ele não é. Mas para chegar a santo ainda tem uma longa caminhada. Porém ele não desistiu, continua no rumo dessa estrada…
Se as nossas ações aqui na Terra é que abrem as portas do céu, acredito que esse saudoso frei, que continua na nossa memória, já esteja desfrutando do conforto eterno ao lado do Pai.
E, quanto ao senhor a quem ele se referiu, também não posso lhe afirmar que seja santo. Contudo, não há dúvida que se trata de um cidadão íntegro, de responsabilidade social, consciente de que a justiça dos homens precisa prevalecer para que haja igualdade de direitos. E a sua senhora é a parte imprescindível: a reciprocidade do seu amor..