• Analfabetismo funcional em economia

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  • 04/02/2023 08:00
    Por Gastão Reis

    Já faz alguns anos que existe no Brasil o INAF – Indicador Nacional de Alfabetização Funcional. Foi uma notável contribuição da Fundação Anísio Teixeira, que vem fazendo o acompanhamento regular deste indicador fundamental para o país. Ter conhecimento de como estamos nessa área crítica para poder inserir o Brasil, cada vez mais, na sociedade do conhecimento, aquela em que Peter Drucker foi um dos precursores. E não só isso, mas também em TI – Tecnologia da Informação e na IA – Inteligência Artificial.

          O analfabeto funcional pleno apenas junta letras e palavras, mas é incapaz de entender o que está lendo e menos ainda de interpretar o texto que tem à sua frente. O INAF, na verdade, trabalha com três gradações indicativas da gravidade do problema, indo da forma mais aguda a menos grave. No Brasil, o percentual de analfabetos funcionais plenos vem diminuindo, mas se somarmos  os casos graves aos mais leves, ainda nos encontramos numa situação muito ruim: cerca de ¾ da população se enquadra de algum modo entre os funcionalmente (ou quase) analfabetos. Dito em outras palavras, somos um país que funciona ¾ abaixo do seu potencial.

         Podemos ainda confirmar essa situação dramática através de outro enfoque. A proporção de alfabetizados em nível proficiente, aqueles que sabem ler, escrever, interpretar textos e fazer conta com desenvoltura, permanece estagnada desde o início da mensuração da série histórica em torno de 12%. Ou seja, estão nesse patamar cerca de 17,4 milhões de brasileiros dos 144,7 milhões entre 15 e 60 anos de idade. No censo de 2011, os dados apontam que cerca de 73% dos brasileiros entre 15 e 49 anos são analfabetos funcionais.   

    Antes que o complexo de vira-lata baixe em cada um de nós, merece o registro o fato ocorrido com a Papillon, uma grande empresa de fabricação de papelão localizada aqui no estado do Rio de Janeiro. A dona da empresa, Ângela Costa, decidiu implantar a ISO 9000, um conjunto de normas técnicas para a gestão contínua da qualidade nas empresas. 

    Em determinado momento, ela se deu conta que o processo emperrou. Após quebrarem a cabeça para entender o que havia ocorrido, os técnicos chegaram à conclusão de que as funcionárias eram funcionalmente analfabetas a despeito de terem pelo menos oito anos de escolaridade. A empresa parou o programa por um ano para alfabetizar funcionalmente suas colaboradoras. E assim levar a cabo com sucesso a implantação da ISO 9000.            

           Uma tristeza e uma alegria. A tristeza foi constatar a péssima qualidade do ensino recebido na escola pública, que as tornou incapazes de ler e entender um simples manual de instruções. A alegria foi verificar que as mesmíssimas pessoas, submetidas a um ensino de qualidade, responderam à altura. Não é, portanto, um problema de baixo QI.

            Vamos agora à questão do analfabetismo funcional em economia. Foi uma doença que grassou na América Latina com virulência semelhante aos estragos provocados na economia de diversos países da região com raras exceções como a do Chile. Em linhas gerais, a política econômica consequente, aquela capaz de gerar resultados consistentes e duradouros para seus países, tem sido artigo raro no mundo latino-americano. O exemplo argentino, um caso singular de involução econômica, citado com frequência na literatura econômica, nos revela um país que vai de mal a pior. Sempre endividado no mercado internacional e incapaz de pôr fim ao seu nefasto processo inflacionário.

    Outros exemplos são gritantes como Cuba, Venezuela, Nicarágua, dentre outros, sempre indo em direção a como se afundar mais ainda com efeitos devastadores sobre o bem-estar de seus povos. Beira à patologia em matéria de como conduzir uma política econômica desastrosa a longo prazo. 

     Não é preciso maior sofisticação intelectual para entender o fenômeno do analfabetismo funcional em economia na América Latina. Simplesmente não segue a receita de bolo deixada por Adam Smith e mesmo Keynes, quando este é realmente necessário. Existe uma crença arraigada no poder do estado para produzir crescimento econômico. Na prática, o estado latino-americano foi convocado a desempenhar papéis que só consegue à base de grossa corrupção e muita inflação. São as famosas estatais com sua incapacidade crônica de entregar resultados à população. E o pior, pondo de lado suas funções básicas em educação, saúde e infraestrutura, que são os pilares de sustentação do crescimento contínuo de suas economias.

    O caso de Lula é mais que ilustrativo. Após receber uma carta de três renomados economistas, que lhe declararam voto, tecendo comentários pertinentes sobre a condução da política econômica de que o país tanto carece, Lula se deu à pachorra de questionar a visão tradicional que funciona na prática. Suas perguntas levariam um aluno de primeiro ano de faculdade de economia a repetir o ano por desconhecimento de conceitos básicos.

    Mas o dramático em Lula é que vem agindo como um São Tomé às avessas: aquele que nem vendo acredita. O desastre das economias conduzidas por seus companheiros na Venezuela, em Cuba, na Nicarágua e na Argentina não lhe dizem nada. Quando um indivíduo, além de ter uma formação intelectual deficiente, se revela avesso a admitir fatos comprovados, alguma coisa está muito mal resolvida em sua própria cabeça. É como achar que desastre é sinônimo de sucesso.

    A constatação de que um elevado percentual da população brasileira é funcionalmente analfabeta já é extremamente preocupante. Escancara o descaso secular com a educação pública de qualidade. E, quando a ela se soma, o que chamei de analfabetismo funcional em economia, chegamos à combinação perfeita para dar errado. 

    Desde 1980, em maior ou menor grau, estamos colecionando décadas perdidas, fenômeno confirmado pelo medíocre crescimento de nossa renda real per capita nas últimas décadas. Seguir em frente propondo a adoção de políticas públicas que já deram errado nos leva em direção à esquizofrenia econômica. Vigilância máxima é o nome do combate a ser travado.   

    (*) Assista a “Dois Minutos com Gastão Reis– Esquizofrenia Econômica

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