• Amor e tristeza no Natal

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  • 23/12/2020 16:58

    Poesia é um dos encantos do mundo. O primeiro poeta, que surgiu nas priscas eras da História da Criatura Humana, bastante assustado com a força da imensa natureza, tanto a da Terra como a do Céu, criou as expressões doces e rudes para a comunicação necessária ao desenvolvimento da vida social. Foi onomatopaico e o falar humano gotejava a seiva ruidosa das tempestades, o pipilar das aves, o rugir das feras, a ventania no assovio das melodias de notação natural, sem registro, sem maestro, orquestra e coro. A música chegava no cantarolar dos sons, nos trinados passarinhos adocicadas, nas expressões do ambiente florado de sonoridades. E, nessa descoberta magnífica, inseridos foram, nos gorjeios trazidos das glotes, a comunhão dos sons formadores das melodias sonoras com os falares e dizeres – mesmo que rústicos bastantes – para a suavidade de canções e sons disciplinados, narrando a epopeia que a criatura humana engendrava na aurora da crença na família que ia se fundindo ao ambiente de luta física quanto de aprimoramento sociocultural.

    Assim, naquele estranho planeta de cataclismos terríveis, surgindo coberto de águas imensas e terras em esfriamento, as espécies de vida edificando seus sítios de sobrevivência, a natureza ensinando acordes melodiosos para acalmar as dores e tornar a criatura humana flexivelmente adaptada ao entorno-escola-da-vida, sobrepujamos as diferenças, outras criamos, desbravamos territórios, compartimentamos a vida social… Por fim, de uma fizemos várias civilizações, cada qual com seus falares, suas musicalidades, em pensamentos por vezes coerentes quanto incoerentes, justos quanto injustos, lindos como medonhos.

    Coube, então, a seleção que se matura adequada para cada povo, cada região, a partir das conquistas marcadas nas pegadas dos séculos.

    Convivendo com as posturas várias de cada povo, poetas procuravam explicar o que acontecia naquela balbúrdia chamada geopolítica mundial. E o faziam com prosas melodiadas, vindas de conteúdos sensíveis e sob a musicalidade que seiva o temperamento humano. Inspirados escritores deram forma aos sentimentos íntimos, como avançaram no terreno perigoso da crítica social.

    E a poesia a tudo registrou por linguagem própria. E o vocábulo saudade integrou-se ao vocábulo passado.

    Estamos passando pelo Natal de 2020, estranho demais, sob sérias  ameaças viróticas e muita gente ainda sem compreender a necessidade do sacrifício de hábitos enraiados e consagrados mas que necessitam adaptações que detenham o cataclismo e a nossa humanidade minimize uma aurora menos trágica, projetando a imagem de um arco-íris em torno do planeta, tal como o celeste desenho maravilhoso de Saturno. E a luz retornará e a vida prosseguirá.

    Para marcar, com poesia, a saudação ao Natal e buscando inspiração na criatura mágica do Papai Noel descendo pelas chaminés da vida de sonhos, fantasias e encantamentos imortais, busquei, em uma edição do ano de 1966, do “Jornal de Petrópolis” o soneto do extraordinário poeta Décio Duarte Ennes, meu saudoso primo : “A Orfãzinha”.

    Na magnifica composição lírica, o poeta chama a atenção de todos para o mal maior da Humanidade de hoje, que entendo superior ao vírus covid-19, que é o abandono do princípio da família humana,  onde tem feito pouso o vírus do desamor e da irresponsabilidade, tudo gerado pelo mau-caratismo moral que sustenta a politicagem mundial, transformando os seres humanos em dados estatísticos e massa de manobras eleitoreiras, violentando o sagrado preceito do humanismo.

    Coloco no toca-discos a “Pavane”, de Ravel e passo à leitura do soneto de Décio Duarte Ennes : “A Orfãzinha”, sem mais comentários… E, porque tudo embacia no meu entorno e lágrimas rolam sobre o teclado respingando culpas infinitas em meus lábios em soluços, entreabertos de tristeza e incredulidade, por envolvidos no espanto da mais triste noite de Natal do século XXI :

    “A ORFÃZINHA

    A orfãzinha colocou sobre a janela

    O sapatinho com um bilhete que dizia:

     “Papai Noel, eu quero nesta noite bela,

     Como presente, que me dês a alegria…”

    Começa a anoitecer e já o céu se estrela

    Enquanto a orfãzinha, inocente, dormia…

    O bom velhinho chega, apanha a carta. Ao lê-la

     Contempla a orfãzinha – e esta a sorrir dormia.

    E aproximou-se, e quando ia perguntar qual

    Alegria era o seu presente de Natal

    Chorou, ao contemplar-lhe o inocente rostinho.

                      O final da cartinha ao lado dela estava:

    No dia de Natal, ansiosa, ela esperava

    O Mamãe e o Papai naquele sapatinho !”

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