• ‘Aida’ estreia em versão que discute o elogio à guerra

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  • 03/06/2022 08:00
    Por João Luiz Sampaio, especial para o Estadão / Estadão

    Aconteceu no dia 12 de março de 2020, uma sexta-feira. A equipe interrompeu o ensaio da ópera Aida, de Verdi, e se reuniu na plateia do Teatro Municipal de São Paulo para ouvir um anúncio do então diretor artístico Hugo Possolo.

    “As atividades artísticas, esportivas e religiosas, que gerem aglomeração, estão suspensas por tempo indeterminado”, começou a fala, que se encerrava com tom otimista. “Essa é uma suspensão por prevenção, para que todos nós possamos voltar ao trabalho.”

    Àquela altura não era ainda possível imaginar o impacto que o coronavírus teria na vida das pessoas. A ópera acabou adiada indefinidamente. E terá enfim sua noite de estreia nesta sexta, 3, mais de dois anos depois. “Ela estava engasgada na garganta”, diz a diretora Bia Lessa, responsável pela concepção do espetáculo. “Foi uma emoção imensa voltar, mas lidando com o trauma. Perdemos desde então muita gente, o pianista (Rafael Andrade), o cantor que faria o papel do rei (o baixo Carlos Eduardo Marcos), a maestrina do coro (Naomi Munakata), o Paulo Mendes da Rocha. Voltar foi muito emocionante do ponto de vista humano”, explica.

    Mas, para a diretora, o tempo também trouxe novos elementos à reflexão que sua produção pretende fazer a partir da obra de Verdi – uma discussão sobre as relações de poder e sobre o elogio à guerra. “Há a guerra oficial na Ucrânia, a guerra não oficial das ruas, das milícias, as guerras psicológicas. Tudo isso trouxe ainda mais atualidade para a trama.”

    COLONIZAÇÃO

    Verdi escreveu Aida como uma encomenda da Ópera do Cairo, onde a obra estreou em 1871, um ano depois do previsto (a ideia original era a de que a obra inaugurasse o teatro, em 1870). Aida é uma princesa etíope aprisionada e escravizada pelas tropas egípcias comandadas por Radamés, por quem ela acaba se apaixonando.

    Como em todo Verdi, coloca-se uma oposição entre o desejo individual dos personagens e o mundo em que vivem. Um mundo, neste caso, explica Bia Lessa, marcado por brigas de poder e onde a guerra parece se impor como caminho na relação com o outro.

    PODER

    “Aida é sobre o aprisionamento da Etiópia pelo Egito. É uma ópera colonizadora. Então a questão que me fiz foi como, respeitando tudo o que está escrito, todas as rubricas, mostrar que essa é uma ópera sobre o poder. Sobre o fato de que, quando o poder significa mandar, a consequência inevitável é a guerra”, diz a diretora.

    Para ela, é uma leitura que a própria obra propicia. “A ópera carrega uma série de elementos fixos, o tempo da música, do texto. Mas há como respeitar tudo e encontrar um espaço infinito. Se a obra é boa, há liberdade. E posso mostrar minha visão. O texto fala em luar, mas o que é o meu luar? O texto fala no Rio Nilo, o que é o rio para mim?”

    Essa é a segunda ópera de Verdi que Bia dirige – a primeira foi Il Trovatore, no Municipal do Rio de Janeiro, em 2010. “Verdi impressiona pela economia, pela precisão dramática. Quando Radamés, no terceiro ato, descobre que Aida é filha do rei etíope, diz apenas três frases. E está tudo ali, todo o drama.”

    Dois elencos vão se dividir nas apresentações, que têm direção musical de Roberto Minczuk e contam com a participação da Sinfônica Municipal, do Coro Lírico e do Coral Paulistano. Nos dias 3, 5, 7 e 10, Aida será vivida por Priscila Olegário, Radamés, por David Pommeroy, Amneris, por Ana Lucia Benedetti, e Amonasro, por Davi Marcondes. Nos dias 4, 8 e 11, os papéis serão vividos por Marly Montoni, Paulo Mandarino, Andrea Souza e Douglas Hahn.

    “Essa é a primeira vez que duas sopranos negras cantam Aida no Municipal e isso tem um significado muito grande”, afirma Montoni.

    MOMENTOS

    Para ela, há dois momentos distintos da personagem. Nos dois primeiros atos, ela é a mulher escravizada, cercada de egípcias, vivendo em um mundo em que não pode dizer quem é, não pode se assumir como a herdeira do trono etíope. “A partir do terceiro ato, essa mulher negra se mostra de uma forma diferente. É a chance de pensar nela não como uma princesa lânguida, quase barroca, mas como uma grande mulher africana”, conta.

    Priscila Olegário concorda, e ressalta que a todo instante é preciso pensar na humanidade dessa personagem. “Eu sinto nela um afeto triste, uma tristeza que vem das fatalidades de sua vida, da perda da mãe, do fato de ter sido escravizada, de viver uma história de amor complicada. Isso não faz dela uma mulher sofredora, que se diminui, pequena. Aida se levanta, confronta a realidade à sua volta. Mas há sempre dor por trás daquilo que faz. Está aí uma das belezas e dificuldades da personagem.”

    Aida

    Teatro Municipal. Pça. Ramos de Azevedo, s/nº. 6ª (3), 3ª (7), 4ª (8) e 6ª (10), às 20h. Sáb. (4), dom. (5), sáb. (11), às 17h. R$ 30 a R$ 15

    As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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