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  • 09/jun 08:00
    Por Ataualpa A. P. Filho

    Quem já carregou lata d’água na cabeça, conhece o que há de sagrado em um copo d’água. Quem já sofreu com a força das águas acima das margens dos rios se preocupa com o volume das chuvas e olha desassossegadamente para nuvens escuras. Quem já puxou água de poço sabe o peso que ela tem. Quem já viveu na aridez do sertão sabe o quanto é precioso um gole d’água. A seca seca até a alma…

    Conto, sem restrições de censura, o que aprendo na travessia da vida. Falo do que vi, do que vivi e do que calejou meu coração por ciência do pertencimento. Com a partilha do pão, a sobrevivência fica menos pesada.

    Da verdade, ninguém se esconde, ela fala é no dentro da gente. O vivido com dor é que traz melhor lição. A ostra sofrida é que tem pérola. Sei que o sertão pode virar mar, mas não quero ver o mar virar sertão, porque não desejo mal a ninguém.

    Sem ar, qualquer animal morre em poucas horas; a dor, em tempo corrido, é menor. Mas sem água, a morte vem morosa, por isso mais dolorosa. Ver o gado definhando à míngua, um cavalo secando em pé, sem poder carregar o peso do corpo é martírio.

    A água, não só a de benzer, mas também a de beber, é sagrada. Sem ela não há vida, por isso o batismo para unirmo-nos ao que vem de Deus. Banho e me benzo com água fria, não importa a hora do dia, nem a estação do ano.

    Acho que deveria ter uns dez anos de idade, quando puxei a minha primeira lata d’água do poço de 22 metros de fundura que havia em casa, rodando no mourão feito gado. Gostava de ver meu pai puxando na mão sem rodar. Coisa de homem. Pensava: “quando crescer, vou puxar água assim”.

    Mas o progresso chegou a Teresina cortando mato, plantando casa, calçando ruas e a água encanada chegou à Vila Operária. Eu lembro: vi a torneira na ponta de um cano plástico fino de cor bege. A água que saía dela fazia espuma. Depois é que tive a informação de que se tratava do uso do cloro. O poço, o meu pai teve que fechar…

    Na infância, eu gostava mesmo era de tomar banho na chuva. Depois de encher as vasilhas, corria para a igreja. Lá a água caia como cachoeira. E, quando ficava só no chuvisco, eu fazia barquinho de papel para colocar na água que corria pela sarjeta. A alegria era vê-lo ir longe.  Menino é assim, não encontra doença no divertido. Por isso, Deus protege.  Desta época, não me lembro de guarda-chuva, só de sombrinha para proteger do Sol…

    Em pleno século XXI, ainda há muitos que não têm a consciência da importância da água para os seres vivos. Um copo d’água não vem por promessas políticas. O povo tem que ficar atento para cuidar do que é bem de todos. É a vida no planeta que está ameaçada. As atitudes individuais é que formam o coletivo. Se cada um agir de forma consciente, as mudanças alimentarão a esperança de uma vida melhor.

    O fardo desta caminhada fica mais leve quando andamos de mãos dadas. Por isso não é bom acumular ódio, vingança, nem se escravizar pelos caprichos da vaidade. A ambição gera sovinice e desconfianças. O acúmulo de poder também aumenta o peso do nosso fardo, pois sempre vem regado pelo autoritarismo.

    O viver, sem dúvida, é mais leve quando compartilhado. A solidariedade, a caridade carregam consigo a satisfação do ser útil. O doar-se é um exercício de desprendimento. Em quem se mantém aberto às lições de vida, o tempo exerce um belo trabalho, pois desvela o segredo do viver em paz consigo e com o próximo, uma vez que expõe a gratidão como reflexo da humildade proveniente do reconhecimento das relações humanas.  “Amar e ser amado” só é possível na reciprocidade do respeito. A obsessão não tem espaço para o amor, nem para a liberdade. O medo de sofrer não justifica o possessivismo. As nossas atitudes revelam o que carregamos no coração e na mente. A dor é inerente a todos os mortais. As que vêm pelo trágico são compartilhadas entre quem sabe se colocar no lugar do outro, entre quem tem a sensibilidade à flor da pele. Por isso que as ações solidárias afloram diante dos fenômenos naturais que provocam calamidades públicas.

    Sou do crer em Deus a ponto de pedir chuva em procissão. Hoje peço a Ele que olhe, com misericórdia, para a população do Rio Grande do Sul. E que os homens entendam que a Natureza precisa ser preservada para que haja vida em harmonia neste planeta.

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