• Agruras presidenciais e impasses presidencialistas

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  • 06/11/2021 08:00
    Por Gastão Reis

    Evidentemente a última viagem do presidente Bolsonaro ao exterior não foi exatamente um sucesso de mídia ou de diálogo produtivo com os membros do G-20, grupo representante das 20 maiores economias do planeta. Ainda deu azar de pisar no pé da Angela Merkel, e, mesmo se desculpando, teve de ouvir da chanceler alemã o seguinte: “Sempre você!”. Dela, não se pode dizer que foi uma reação como poderia ter sido do presidente francês, Emmanuel Macron, ressentido pelo comentário de Bolsonaro sobre a feiura de sua mulher Brigitte, bem mais velha do que ele. (Qualquer diplomata diria que ele poderia até pensar que ela é feia, mas, como presidente, jamais dizer isso em público).

    Bolsonaro me faz lembrar daquela situação do fumante que foi perguntar ao vigário se poderia fumar enquanto rezava. E tomou um pito na linha de “Onde já se viu tamanho desrespeito a Deus!”. Outro fiel, mais hábil, perguntou a mesma coisa, com a sutileza que Bolsonaro jamais teria: “Quando estou fumando, posso rezar?” E recebeu sinal verde do pároco, que deve ter pensado lá com seus botões: “Até fumando, ele reza!”.

    Houve agora, em Roma, o último episódio de agressão a jornalistas por seus e outros seguranças cedidos pelo Estado italiano em sua caminhada pelas ruas da cidade. As relações tensas do presidente com jornalistas nacionais vêm desde o início de seu mandato. Mas qual o sentido de piorar o ruim ao proporcionar cena semelhante no exterior? A lição de Pedro II, que ele infelizmente desconhece, aos que queriam censurar os jornais no século XIX, lhe serviria como uma luva: “Imprensa se combate com a própria imprensa”. Ou seja, com o debate civilizado. Bons tempos, não é mesmo caro(a) leitor(a)?

    Em suma, Bolsonaro não teve clima para participar pessoalmente da COP26 – 26ª Conferência do Clima, uma situação lamentável para o País. O jornal “Financial Times” (FT), em 1º/11/2021, espécie de bíblia de executivos de multinacionais, em editorial, o chama de incapaz e prevê reeleição difícil. Tal avaliação do FT induz à fuga de investimentos de que tanto carecemos.

    Esse cenário confirma a avaliação do cel. Carlos Alfredo Pellegrino, seu superior, que também o descrevia como incapa; no caso, de liderar os oficiais subalternos devido ao “tratamento agressivo dispensado a seus camaradas, bem como a falta de lógica, racionalidade e equilíbrio na apresentação de seus argumentos”. A isso se soma o que disse sobre ele outro superior, na década de 1980, que o avaliou como dono de uma “excessiva ambição em realizar-se financeira e economicamente”. Sem dúvida, estranha para quem deseja seguir a vida militar, que exige boa dose de desprendimento pessoal.    

    O juízo que pode ser feito de seu desempenho no passado está muito distante do ideal de Caxias (que jamais contemporizou com o golpismo) do que seria um soldado exemplar.  Os militares não dizem isso de público, mas hoje é evidente que Bolsonaro não deu um golpe por lhe faltar base militar (e social) para tanto. E também porque pensaram três vezes antes de elevá-lo à posição de ditador, sabedores de seus destemperos e de sua má imagem no Exército.

    Mas vamos adiante, e abordemos questões de fundo mais relevantes mencionadas no título como impasses presidencialistas.

    Embora nos tempos da URSS, ela se apresentasse como fato consumado e permanente da História, o que se viu é que veio abaixo após 70 anos por implo-são, vale dizer, por fragilidades intrínsecas do sistema. Historicamente, é, de fato, um período muito curto. O presidencialismo republicano no Brasil está, cada vez mais, parecido com o que ocorreu na ex-URSS. Vai de vento em popa ladeira abaixo. Passemos às razões que apontam nessa direção.

    O Prof. Juan J. Linz em seu conhecido texto “The Perils of Presidentialism”, (“Os Perigos do Presidencialismo”, em tradução livre), publicado no Journal of Democracy, Vol. 1, Nº 1, inverno de 1990, pp. 51-69, disseca os riscos e os infortúnios do presidencialismo onde foi adotado.

    Ele nos informa que “a vasta maioria de democracias estáveis no mundo de hoje são parlamentaristas, em que o poder executivo é gerado por maiorias legislativas e que depende dessas maiorias para sobreviver”. E a maioria é estabelecida antes de o governo tomar posse e não depois da eleição do presidente como acontece no presidencialismo latino-americano, em que os imprevistos e dificuldades estão sempre na ordem do dia a exigir conchavos para a manutenção do governo.

    São muitos os vícios políticos do presidencialismo. O simples fato de o presidente acumular a Chefia de Estado e de Governo o transforma em fiscal de si mesmo. A ausência de um quarto poder independente na pessoa do Chefe de Estado para agir nas crises entre os poderes gera problemas insolúveis, abrindo as portas para intervenções militares tão comuns no trágico histórico do presidencialismo latino-americano. Governos que já acabaram continuam porque o mandato ainda não terminou. Daí os golpes de Estado, sempre frequentes e ineficientes.

    Examinemos os problemas mais críticos do presidencialismo. Primeiro, a confiança do povo no governo não é a pedra de toque da vida pública. Segundo, o parlamento não exerce seu papel de fiscalizar o executivo e produzir leis, sendo estas, muitas vezes, de iniciativa do executivo. O terceiro é a dificuldade de monitorar o andamento do orçamento, só recentemente tornado impositivo. O quarto é que a prestação de contas do executivo ao Parlamento não é feita de modo regular, como deveria. O quinto decorre do anterior: essa ausência de fiscalização regular do executivo pelo Parlamento o leva a produzir leis aos borbotões, gerando um cipoal jurídico que amarra o processo decisório.

    Se você, leitor(a), está vendo o retrato de nossas mazelas e delongas políticas nos três parágrafos anteriores, acertou em cheio. Não espanta, pois, as dificuldades que qualquer governo, inclusive o de Bolsonaro e o próximo, sempre encontra, ensejando o crescimento lento que nos faz perder tempo há décadas. Hora de mudar. E muito!

    (*) Autor do artigo “O Encolhimento (Assustador) da Indústria”, publicado em O Estado de SP, em 30/09/2015. Basta digitar este título no Google para lê-lo.

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