• Afastamentos por transtornos mentais crescem e enfrentam resistência do INSS

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  • 20/maio 15:00
    Por Redação/Tribuna de Petrópolis I Foto: Reprodução

    Casos de afastamento do trabalho por transtornos mentais, como depressão e síndrome de burnout, têm se tornado cada vez mais comuns no Brasil. Reconhecidas pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) como doenças que podem causar incapacidade laboral, essas condições ainda enfrentam barreiras quando se trata da concessão de benefícios previdenciários. A dificuldade, segundo a advogada Mayara Vasconcellos, não está na legislação, mas na interpretação e nos entraves do próprio sistema.

    “Hoje, tanto a depressão quanto a síndrome de burnout estão entre as patologias contempladas pelo INSS para afastamento do trabalho e concessão do auxílio por incapacidade temporária”, explica a especialista. O problema, segundo ela, é que mesmo diante de laudos médicos consistentes, exames, acompanhamento psiquiátrico e evidências clínicas claras, muitos pedidos são negados. “Há uma resistência significativa por parte do INSS. A justificativa mais comum é a suposta ausência de incapacidade ou de vínculo entre a doença e o ambiente laboral”.

    Nesses casos, a judicialização torna-se inevitável.

    “É no Judiciário que conseguimos comprovar, com a ajuda de perícias técnicas independentes, aquilo que o INSS se recusa a reconhecer administrativamente”, aponta a advogada. Ela destaca que o processo judicial, embora mais demorado, tende a ser mais sensível à realidade dos trabalhadores que enfrentam crises emocionais graves e comprometedoras.

    O reconhecimento do burnout como doença ocupacional representa um importante avanço, segundo a especialista. Isso porque, uma vez estabelecido o nexo causal entre o trabalho e a patologia, o trabalhador passa a ter acesso a garantias adicionais, como estabilidade de 12 meses após o retorno, direito ao recolhimento do FGTS durante o afastamento e até a possibilidade de responsabilização do empregador.

    “Na prática, esse reconhecimento equipara o burnout a um acidente de trabalho”, afirma Mayara. “Isso implica também na dispensa da carência para a concessão do benefício”, acrescenta.

    A advogada ressalta que há respaldo legal robusto para amparar os trabalhadores nesses casos. “Temos a Lei nº 8.213, a Portaria nº 1.339 do Ministério da Saúde, resoluções do Conselho Federal de Medicina e dispositivos da própria Constituição Federal. O que falta, infelizmente, é uniformidade na aplicação desses direitos”.

    O caminho até a obtenção do auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez é repleto de exigências. É necessário apresentar documentos pessoais, carteira de trabalho, laudos médicos detalhados com Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde (CID), histórico clínico e prognóstico, além de exames complementares. Quando há nexo com a atividade laboral, também deve ser emitida a Comunicação de Acidente de Trabalho (CAT).

    “O laudo ideal é aquele que descreve claramente o início e a evolução dos sintomas, as atividades que o paciente não pode mais exercer e a justificativa para o afastamento”, reforça a advogada.

    Ainda assim, é comum que o INSS alegue inconsistência nos documentos apresentados ou conteste a existência de incapacidade.

    “Muitas perícias feitas pela autarquia são superficiais e deixam de observar a complexidade do sofrimento psíquico. Por isso, é tão importante que o trabalhador tenha apoio jurídico desde o início do processo”, defende Mayara. Segundo ela, a atuação do advogado não se limita à fase judicial: começa na orientação adequada sobre os documentos, na análise estratégica e no acompanhamento do trâmite administrativo.

    A reabilitação profissional, prevista em lei, também depende de avaliações específicas. Quando o INSS considera que o trabalhador não pode retornar à função anterior, pode encaminhá-lo à readaptação em outra atividade compatível. A empresa, por sua vez, pode ser responsabilizada caso fique comprovado que o ambiente de trabalho contribuiu para o adoecimento psíquico. “Nestes casos, a responsabilidade pode ser administrativa, trabalhista e até civil”, explica.

    Outro ponto sensível é a manutenção da qualidade de segurado em casos de desemprego. Se o trabalhador estiver no chamado “período de graça”, que pode chegar a até 36 meses dependendo da sua situação contributiva, ele ainda poderá solicitar o benefício. Além disso, enquanto recebe o auxílio, ele pode — e deve — continuar o tratamento médico.

    “O acompanhamento psicológico ou psiquiátrico contínuo é recomendado e muitas vezes exigido pelo próprio INSS”, afirma.

    Ao retornar ao trabalho, o trabalhador precisa passar por avaliação médica e, quando necessário, solicitar condições especiais de readaptação. “É fundamental que haja monitoramento da saúde mental após o retorno, sobretudo se persistirem fatores de risco no ambiente laboral”, alerta a advogada.

    Em casos mais graves, nos quais a incapacidade é permanente e sem possibilidade de reabilitação, é possível requerer aposentadoria por invalidez (benefício por incapacidade permanente). “Quando há prejuízo severo das funções cognitivas ou emocionais, a aposentadoria se torna a medida adequada, desde que a condição clínica seja devidamente comprovada”.

    Para Mayara Vasconcellos, o atual cenário evidencia a urgência de uma maior humanização e sensibilidade por parte do INSS diante das doenças invisíveis.

    “As patologias mentais não deixam cicatrizes visíveis, mas são incapacitantes. E a negação sistemática dos direitos agrava ainda mais o quadro emocional do trabalhador”, conclui.

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