• Adiamentos da quarentena

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  • 21/03/2020 10:03

    De repente a Humanidade embarcou num navio onde alguns passageiros carregam um novo vírus. Não é um pacote de compras que possa ser carregado pela mão. Vírus mesmo, que lhes penetrou no corpo, derrubou na cama, e ameaça-lhes com a foice da caveira. O navio não para em mais porto algum. Todo passageiro fica de quarentena, sem sair do camarote, sem poder comer nos restaurantes, sem mais encontrar os amigos no deck da piscina dos papos livres. Confinados em si, como os presos em domicílio. O que mais podem fazer? Ah, resta um montão de coisas gostosas, como ler, ver um bom filme, ouvir música… Teria a Humanidade esquecido seus prazeres fundamentais? Pois é tempo de retomá-los. 

    A Academia Petropolitana de Letras teria a anunciar programações para as próximas semanas. Mas, o vírus fez cancelar tudo, como a posse da nova acadêmica Fátima Argon ou a assembleia geral para eleger o novo acadêmico da cadeira 21, patronímica de Saldanha da Gama. Os candidatos são Marco Aurêh e Cláudio Luís Braga Dell’Orto. Tudo adiado “sine die”, como palestras que nem adianta fazer salivar o leitor por sua realização. 

    Adianta, e muito, é retornarmos ao bom hábito da leitura. E para isto a coluna convida o ilustre leitor a acompanhar com ela o ótimo poema de um de seus acadêmicos: 

    Aurora de vidro Fernando Py 

    eu bebia no copo 

    o nariz metido dentro. 

    Olhava o mundo 

    das estrias transparentes 

    sol abrindo seu raios pela manhã. 

    gostava de beber naquele copo 

    – só o ruído da água caindo já cortava a sede

    – como é parecido com o sol!

    inquebrável, vidro alemão 

    de antes da guerra 

    (deixei cair do quarto andar 

    e pulou feito borracha 

    – espanto em casa orgulho

    em mim)

    De repente eu era rapaz e

    o copo me acompanhou. 

    Passei uns tempos 

    esquecido dele. 

    Nem ligava pro sol. 

    Bebi noutros copos. 

    O copo… será que ficou triste? 

    Num piquenique na Barra 

    bebi nele de novo. 

    Escorregou da minha 

    mão caiu no mar. 

    Chorei de remorso pena 

    feito criança 

    que perdeu o único 

    brinquedo quebrado. 

    Primeiro chorei depois 

    procurei 

    – naquele dia no outro no outro –

    nunca mais achei 

    minha aurora de vidro 

    eclipsada no mar. 

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