• Adeus Cinema?

  • Continua após o anúncio
  • Continua após o anúncio
  • 26/08/2021 17:00
    Por Mariane Morisawa, especial para o Estadão / Estadão

    É praticamente eufemismo dizer que 2020 foi difícil para todo mundo, sejam as pessoas ou a economia. Para a mídia e o entretenimento, não foi diferente, com uma queda mundial de 3,8% na receita. No Brasil foi ainda pior, com uma diminuição de 6% na renda do setor em relação a 2019. O País perdeu duas posições no ranking mundial, indo de 9º para 11º, segundo dados da 22ª Pesquisa Global de Entretenimento e Mídia 2021-2025, estudo anual feito pela consultoria PwC com previsões para os próximos cinco anos, feita em 53 países, que engloba 14 seguimentos. Entre eles, internet, publicidade de jornal e revista, TV por assinatura, livros, cinema e vídeo OTT (vídeo de TV ou cinema, que inclui os serviços de streaming) – no Brasil, os dados que chamam mais a atenção se referem aos dois últimos itens.

    O cinema despencou 70,4% em receita. No Brasil, a queda foi mais drástica: -86%. “O mundo da exibição em salas de cinema está esfacelado”, disse Paulo Sérgio Almeida, do Filme B, site de análise e acompanhamento do mercado audiovisual. “Mas sou otimista.” Em compensação, o consumo do vídeo OTT explodiu, crescendo 29,4%.

    O streaming virou o porto seguro dos fãs de audiovisual que encontraram as salas fechadas durante boa parte dos últimos 17 meses. Habituado a assistir a pelo menos dois filmes nos cinemas antes da pandemia, o blogueiro Diorman Werneck, de 29 anos, não retomou a rotina cinéfila. Primeiro, por continuar se sentindo seguro em casa, onde assistia a seus programas via streaming. Mas, principalmente, por não se sentir mais tão atraído pelas estreias semanais.

    “O streaming logo ocupou o horário que antes eu dedicava ao cinema – fechado em casa, se tornou meu principal passatempo”, disse Werneck. “A decisão de não voltar aos cinemas foi motivada porque vários serviços de streaming começaram a trazer as estreias junto com as salas ou um tempo depois.” O blogueiro, que assina três serviços de streaming, exemplifica: “Viúva Negra estava disponível no mesmo dia que estreou no cinema e só não assisti imediatamente porque considerei o valor cobrado pela ferramenta (Disney+) muito caro. Como eu sabia que logo estaria disponível, preferi esperar”. Werneck assistiu em casa a longas como Tenet, Convenção das Bruxas e Cruella. “Com a comodidade de assistir em qualquer horário e mais de uma vez.”

    Reconexão

    Apesar dos números desanimadores, o estudo da PwC aponta uma perspectiva otimista para o setor de mídia e entretenimento até 2025. No Brasil, a expectativa da pesquisa anterior (de 2020 a 2024) previa um crescimento de 2,5%. De 2021 a 2025, espera-se que o aumento seja de 4,7% – claro que partindo de um patamar baixo -, mais ou menos seguindo as previsões globais, de 5%.

    O cinema é o segmento que deve crescer mais, cerca de 40% ao ano – o vídeo OTT deve continuar subindo cerca de 13% a cada 365 dias. Ainda assim, a arrecadação nas bilheterias nacionais, que foi de apenas US$ 96 milhões em 2020, deve chegar a US$ 518 milhões em 2025, mais ou menos o mesmo nível de 2016. “Já vemos alguma recuperação em 2021, mas a retomada deve se dar a partir de 2022. Ainda assim, também em termos de ingressos, ele volta apenas em 2025 ao nível de 2016”, disse Ricardo Queiroz, sócio da PwC Brasil.

    Quem é da área vê com certo ceticismo quaisquer previsões sobre o futuro. “Ninguém sabe de fato o que vai acontecer”, disse Jean Thomas Bernardini, que é dono da distribuidora Imovision, dos cinemas Reserva Cultural, em São Paulo e Niterói, e da plataforma de streaming Reserva Imovision. “Estamos no meio de um túnel sem luz, sem saber quando vai acabar o túnel, se vai acabar, se tem um precipício no final do túnel ou uma floresta encantada.”

    No caso dos cinemas mais comerciais, houve um respiro a partir do final de maio, quando lançamentos como Cruella, Invocação do Mal 3, Velozes e Furiosos 9 e Viúva Negra chegaram às salas consecutivamente. Mas os números voltaram a baixar em agosto. “Ainda é uma incógnita”, disse Juliano Russo, diretor comercial e de marketing da rede de cinemas Cinépolis Brasil. “Mas a expectativa para os próximos meses é boa. Veja a repercussão que o trailer de Homem-Aranha: Sem Volta para Casa teve.”

    Bernardini acredita que a recuperação vai ser lenta. Em seu planejamento, a normalidade deve chegar apenas em 2024. “Até lá não tem como voltar aos números de antes, que já não eram tão bons, porque o cinema independente passava por uma crise”, afirmou. “Eu só posso afirmar que 2022 ainda não vai ser normal. Vai melhorar, claro. Mas são muitos fatores, não apenas a vacinação. No Brasil temos a questão política, o cinema brasileiro que não se define.”

    Muitos distribuidores acabaram apostando no streaming como forma de ganhar algum dinheiro ou atrair novos assinantes para suas plataformas. Foi o caso da Warner, que lançou seus filmes simultaneamente nos cinemas e na HBO Max nos Estados Unidos, e da Disney, que colocou suas estreias ao mesmo tempo nas salas e no Disney+, com custo adicional. “Foi um teste e claramente não deu certo. Elas não estão faturando”, disse Juliano Russo.

    Para Ricardo Queiroz, não há remuneração adequada para grandes produções no streaming. “Elas precisam da primeira semana de bilheteria. O pacote mais caro da Netflix custa por volta de R$ 55. O ingresso de cinema é mais do que isso, a TV por assinatura, também. Então o cinema está empatado: as pessoas aprenderam a ver em casa durante a pandemia, mas a receita do streaming é ainda pequena.” Para efeito de comparação, a previsão é que o gasto do brasileiro com vídeo OTT chegue a US$ 1,25 milhão em 2025. A TV por assinatura, mesmo com quedas anuais de 1%, deve faturar US$ 3 bilhões em 2025.

    Por isso a Imovision decidiu não abolir a janela cinematográfica. Nenhum filme foi diretamente para a Reserva Imovision. “A gente tem os dois: uma plataforma que quer que cresça e um cinema que quer que volte. Obviamente que estamos torcendo para os dois”, disse Bernardini.

    Ninguém acredita que o cinema vai acabar, como muitos mensageiros do apocalipse andaram apregoando. “Conversei com muitos amigos no Festival de Cannes e não vi ninguém achando que o cinema ia parar. É uma diversão quase insubstituível. Não vejo um debate pessimista”, disse Bernardini. Queiroz concordou. “Determinadas experiências não morrem nunca. É como a música: o que se ouve em uma live não é a mesma coisa que o show ao vivo. A experiência presencial vai continuar existindo. Mas as pessoas aprenderam a separar o que vale e o que não vale pagar.”

    Paixão pelo streaming

    O brasileiro definitivamente se apaixonou pelo streaming. Segundo pesquisa realizada pelo Itaú Cultural, em parceria com o Datafolha, para medir os hábitos culturais durante a pandemia, sete entre dez brasileiros acessam plataformas de vídeo sob demanda no País. Foram ouvidas 2.276 pessoas de 16 a 65 anos entre os dias 10 de maio e 9 de junho.

    Uma grande parte assiste diariamente. Dos 71% de brasileiros que têm acesso, 44% assistem todos os dias. Para 23%, a média é de mais de cinco horas diárias, com 26% dedicando duas horas para o streaming, 18% vendo três horas, 17%, uma hora, e 15%, quatro horas. Entre os usuários pesados, que veem os conteúdos todos os dias, 49% são mulheres, e 40% são homens; 51% são das classes D e E, ante 43% das classes A, B e C. Quem tem de 25 a 34 anos tende a consumir mais (49%), seguido daqueles com 16 a 24 anos (45%) e 35 a 44 (45%).

    Na classe AB, a penetração das plataformas de streaming é de 94%, enquanto 74% da classe C e 43% da classe D usam os serviços.

    Na Região Sudeste, 76% dos entrevistados utilizam o streaming. Nas Regiões Norte e Centro-Oeste são 73%, com 70% na Região Sul e 61% no Nordeste. Nos habitantes das capitais e regiões metropolitanas, 75% declaram assistir a filmes e séries nesses serviços, ante 68% no interior.

    Em termos de faixa etária, 48% das pessoas com idades entre 30 e 45 anos utilizam as plataformas em relação a 44% daqueles com 17 a 25 anos, 33% dos que têm 46 a 60 anos e 26% de quem tem 26 a 30 anos. Apenas 8% dos maiores de 60 anos são usuários. Entre as crianças, 11% daquelas com 0 a 5 anos e 19% entre os pequenos de 6 a 11 anos e os adolescentes de 12 a 16 usam Netflix, Disney+ e companhia.

    A maior parte assiste na televisão (49%), com 36% preferindo os celulares, 9%, os notebooks, e 5%, os computadores de mesa.

    Os conteúdos preferidos são as séries, vistas por 77% dos usuários, seguidas por filmes estrangeiros (65%), filmes nacionais (49%), infantis (45%), animações (42%) e shows de música (36%). As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

    Últimas