• Adélia Prado: 3 poemas para conhecer a obra da vencedora do Prêmio Machado de Assis

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  • 21/jun 10:32
    Por Damy Coelho / Estadão

    A escritora Adélia Prado venceu o Prêmio Machado de Assis, da Academia Brasileira de Letras, pelo conjunto da obra. A escolha foi feita nesta quinta-feira, 20, pelos imortais da Instituição. Ela ganha R$ 100 mil pelo prêmio, e a cerimônia acontece no dia 19 de julho, data de aniversário da ABL.

    O Prêmio, que leva o nome do fundador da Academia Brasileira de Letras, existe desde 1941 e já consagrou autores ilustres como João Guimarães Rosa, Mário Quintana, Dalton Trevisan, Érico Veríssimo e Cecília Meirelles.

    Aos 88 anos, Adélia Prado é um dos principais nomes vivos da literatura brasileira. Seus versos, que misturam lirismo cotidiano, influência religiosa e vivência feminina, foram descobertos por Carlos Drummond de Andrade nos anos 1970. O escritor teve acesso ao manuscrito de Bagagem, primeiro livro de Adélia Prado, e incentivou a publicação da obra pela editora Imago, em 1976.

    O poema que abre o livro é também o que consagrou sua carreira: Com Licença Poética. Por meio da intertextualidade com a poesia drummondiana, a autora versa sobre as angústias de tornar-se mulher.

    A seguir, confira 3 poemas essenciais da obra de Adélia Prado:

    Com licença poética

    “Quando nasci um anjo esbelto,

    desses que tocam trombeta, anunciou:

    vai carregar bandeira.

    Cargo muito pesado pra mulher,

    esta espécie ainda envergonhada.

    Aceito os subterfúgios que me cabem,

    sem precisar mentir.

    Não sou feia que não possa casar,

    acho o Rio de Janeiro uma beleza e

    ora sim, ora não, creio em parto sem dor.

    Mas o que sinto escrevo. Cumpro a sina.

    Inauguro linhagens, fundo reinos

    – dor não é amargura.

    Minha tristeza não tem pedigree,

    já a minha vontade de alegria,

    sua raiz vai ao meu mil avô.

    Vai ser coxo na vida é maldição pra homem.

    Mulher é desdobrável. Eu sou.”

    Bagagem, 1976

    Momento

    “Enquanto eu fiquei alegre, permaneceram

    um bule azul com um descascado no bico,

    uma garrafa de pimenta pelo meio,

    um latido e um céu limpidíssimo

    com recém-feitas estrelas.

    Resistiram nos seus lugares, em seus ofícios,

    constituindo o mundo pra mim, anteparo

    para o que foi um acometimento:

    súbito é bom ter um corpo pra rir

    e sacudir a cabeça. A vida é mais tempo

    alegre do que triste. Melhor é ser.”

    Bagagem, 1976

    Laetitia Cordis

    “Sossegai um minuto para ver o milagre:

    está nublado o tempo, de manhã

    um pouco de frio e bruma.

    Meu coração, amarelo como um pequi,

    bate desta maneira:

    Jonathan, Jonathan, Jonathan.

    À minha volta dizem:

    ‘Apesar da névoa, parece que um sol ameaça.’

    Penso em Giordano Bruno

    e em que amante incrível ele seria.

    Quero dançar

    e ver um filme eslavo, sem legenda,

    adivinhando a hora em que o som estrangeiro

    está dizendo eu te amo.

    Como o homem é belo,

    como Deus é bonito.

    Jonathan sou eu apoiada em minha bicicleta,

    posando para um retrato.

    Quando ficam maduros

    os pequis racham e caem,

    formam ninhos no chão de pura gema.

    Meu coração quer saltar,

    bater do lado de fora,

    como o coração de Jesus.”

    A Faca no Peito, 1988

    Os poemas podem ser encontrados no livro Poesia Reunida, da editora Record. O preço é de R$159,90.

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