A volta da reflexão política
Saúdo um bem-vindo efeito colateral da ascensão da direita ao Poder: a volta da reflexão política, afastando o dogma idiota do “politicamente correto”. A esquerda que desabou por seus próprios atos e omissões, vaidade e incompetência, não tem mais fôlego nem razões para pregar as virtudes da hegemonia castrista-chavista; na outra ponta, a direita ressurgida sabe que os mesmos fatores que permitiram a reviravolta de 2018 impedem, doravante, a prevalência absoluta de uma doutrina dominante. As redes e as ruas que se manifestaram cá, também estarão a serviço do lado de lá. Saudável, aliás.
A partir de 1987, tive ocasião de conviver com lideranças da democracia-cristã (ou social-cristianismo, ou solidarismo, ou ainda humanismo cristão) no Brasil, na América Latina e no mundo. Era um movimento forte, presente em numerosos países, bem estruturado a partir da Internacional Democrata Cristã, fundada no Chile e sediada em Bruxelas; apoiado pela ação internacional da Fundação Konrad Adenauer e na atuação de um leque de lideranças notável na Itália, Alemanha, França, Chile, Venezuela, Brasil. Poucos sabem que democratas cristãos lutaram na Sierra Maestra, em Cuba, para descobrirem, após a vitória, que a liderança da revolução era comunista. Na América Latina, havia a ODCA, a Organização Democrata Cristã das Américas; no Brasil, cito os líderes Franco Montoro, Alceu de Amoroso Lima (a Casa azul da Mosela), Dom Hélder Câmara, Padre Fernando Bastos de Ávila, Frei José Maria Sartori. Por motivos diversos, a democracia cristã conheceu o declínio, a sua Internacional trocou a referência “Cristã” por “Centrista”.
O Ensino Social Cristão, que ilumina a caminhada política dos adeptos da democracia cristã (à qual prefiro referir-me por “solidarismo”, acompanhando o Padre Ávila), é uma jóia que defende abertamente a participação, portanto o municipalismo, como prática essencial na política. Não conheço outra escola política que faça da gestão participativa a sua bandeira maior; em verdade, não sei reconhecer se cultivo a participação popular por influência do pensamento solidarista ou se me vejo como solidarista como consequência de minha paixão pela participação.
Ao final de minha caminhada por aqui, tenho que reconhecer que não consegui êxito em minhas tentativas, tanto participativas quanto solidaristas. Acredito, entretanto – velho tonto – que tudo o que busquei fazer contribuirá, em algum momento, para que o pêndulo político vá além dos seus limites à direita e à esquerda e siga adiante, sempre mais alto, em busca dos conceitos e valores do ensino social-cristão. Acrescento que o Cristianismo conseguiu o feito de extrair do Evangelho e de sua caminhada bimilenar propostas de organização que objetivam sociedades multiculturais governadas por regimes laicos. Talvez por serem tão ricas, tão bem embasadas e formuladas, encontrem tanta resistência por parte dos adeptos de pensamentos mais restritos. Mas, um dia, a participação e o solidarismo gerarão nova Primavera. Tomara que os próximos militantes da causa sejam mais hábeis do que fui, e consigam elevar o debate até onde se encontram as suas teses.