• A vida em primeiro lugar

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  • 07/03/2021 08:00
    Por Ataualpa Filho

    Discernir é um ato que requer critérios. Não há discernimento sem uma hierarquia de valores. O direito de optar está inserido entre as condições do livre arbítrio. O exercício da liberdade pressupõe a possibilidade de escolha. O desafio de um regime democrático está em garantir o respeito às diversidades dessas escolhas. Cada cidadão tem o direito de expor o seu pensamento livremente. O pensar como uma condição do existir não se desvincula do contexto social, uma vez que “homem algum é uma ilha”, como afirmara Thomas Merton.         

    “Penso, logo existo” (cogito, ergo sum), essa clássica frase cunhada pelo René Descartes (1596-1650) ainda hoje se evidencia quando se coloca em discussão a prática da racionalidade, tendo como propósito o desenvolvimento de um pensamento pautado na razão. Contudo, o existir não se limita ao aspecto racional. Por isso é necessário estabelecer o equilíbrio entre a razão e a emoção. Quando uma prevalece sobre a outra, as atitudes podem despertar a passionalidade que compromete as devidas ponderações em uma decisão a ser tomada.          

    Nesta reflexão, veio à memória um trecho do livro “Catatau” de Paulo Leminski, que tem como personagem o filósofo francês aqui citado:         

    “Abri a porta: nada. Nada dizia nada. O nada no ar. O nada no som. A cidade não era nada. Eu não era nada. Mas eu voltei do nada. Nada tenho a declarar. O nada é o maior espetáculo da terra.”          Por arrogância, muitos lutam para sair desta condição, na qual se mantém a natureza humana: do pó, viemos e a ele, voltaremos.         

    E aqui, cabe citar os versos escritos por Fernando Pessoa com o heterônimo de Álvaro de Campos, no poema “Tabacaria”:         

    “Não sou nada./ Nunca serei nada./ Não posso querer ser nada./ À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.”         

    Neste período quaresmal, no meio de uma pandemia, é válido repensar sobre a efemeridade da natureza humana. A morte de milhares de pessoas não pode ser banalizada, vista apenas como dados estatísticos. Portanto, é necessário que haja um ponto de equilíbrio, uma comunhão de forças. É preciso deixar de lado as rivalidades ideológicas e pensar na dor de um povo que padece nas filas dos hospitais. A humildade se faz necessária em função do bem comum.         

    A polarização das divergências políticas tem sido um obstáculo no planejamento de medidas que podem evitar a proliferação da doença que já ceifou a vida de milhões de pessoas no mundo.A insanidade do negacionismo não aceita as determinações médicas cientificamente comprovadas. Se houvesse uma consciência maior sobre a gravidade dessa doença, com certeza, não teríamos tantos óbitos. A intransigência fecha a porta do diálogo. Indubitavelmente, estamos em um momento delicado, no qual, o equilíbrio é imprescindível para que haja decisões sensatas. A vida é prioritária.         

    Já perdi parente e amigos, conheço essa dor da perda de um ente querido pelo fatalismo de uma doença inesperada. O vácuo que fica em nosso peito é maior, porque nos sentimos impotentes para mudar a realidade. E sozinhos, nada podemos fazer. Precisamos caminhar de mãos dadas…         

    Tenho a certeza de que iremos vencer essa batalha. Com fé em Deus e vacina no braço, vamos atravessar esse período pandêmico. Mas poderia ser mesmo doloroso se houvesse uma união de forças distantes das rivalidades políticas, se houvesse honestidade e mais respeito à vida que deve ser colocada acima dos interesses econômicos.         

    O apelo para que haja uma profícua campanha de vacinação contra a Covid-19 tem a sua razão de ser em função dos milhares de óbitos. Precisamos de paz, união, sensibilidade humana e decisões políticas sensatas para salvar vidas.

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