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  • 22/08/2022 09:01
    Por Ataualpa Filho

    A sensibilidade social é corporativa. O lema “Um por todos, todos por um” (“Unus pro omnibus, omnes pro uno”) que ganhou o mundo pela clássica obra de Alexandre Dumas, “Os Três Mosqueteiros”, publicada em 1844, ainda carrega o compromisso que se reflete nas ações solidárias, principalmente quando somos afetados por tragédias provocadas por fenômenos naturais.

    Todos sabem que a comoção popular no trágico é efêmera. No instante em que as notícias da catástrofe se espalham, as campanhas de mobilização para ajudar as vítimas têm mais adesões. Mas, com o passar dos dias, essa mobilização se desfaz. E as pessoas atingidas passam a carregar sozinhas as suas dores.

    É triste saber que existem aqueles que usam a calamidade pública em benefícios próprios. Agem desonestamente com o objetivo de obter ganhos políticos e financeiros. Isso é outra catástrofe: lesam os cofres públicos…

    As cicatrizes, os traumas, as perdas de entes queridos estabelecem uma mudança de rota no destino. Não importam se são crianças, jovens ou adultos, quando o curso da vida muda pelas vias trágicas, o peso que se carrega na memória o tempo não desfaz. O pós-guerra sempre terá lágrimas…

    Tanto no frio, quanto no calor, há fome. Mas quando a temperatura cai, aumenta a lembrança que há pessoas sem agasalhos nas ruas. As ações sociais movidas pelas circunstâncias tornam-se mais vulneráveis, inconstantes. Tenho na memória os versos de Bertolt Brecht, que tanto recitei nos meus vinte e poucos anos, pensando em liberdade no período universitário: “há homens que lutam um dia e são bons, há outros que lutam um ano e são melhores, há os que lutam muitos anos e são muito bons. Mas os que lutam toda a vida são imprescindíveis. ”

    Pensar ainda é muito perigoso. Expressar o que se pensa é correr risco de vida. Que a poesia nos salve pelas entrelinhas…

    A verdade que liberta tem o sabor amargo da realidade. Vencer talvez venha a ser o sobreviver sem vender a própria alma. É uma lástima ver almas leiloadas!…

    Reduzir o viver ao propósito de acumular bens é uma pobreza! Render-se ao vil metal é uma fragilidade de caráter, quando se explora o suor dos outros. A miséria também é fruto de ação coletiva. As oligarquias não só tentam centralizar o poder político, mas também tentam controlar o sistema financeiro para enriquecimento próprio na exploração da mão de obra das classes menos favorecidas.

    Quando vejo, pelos noticiários, as informações das diligências policiais com mandados de buscas, apreensões, prisões preventivas nas esferas dos “altos escalões”, desbaratando esquemas fraudulentos que desviam o dinheiro público, sempre me deparo com a seguinte indagação: uma pessoa alfabetiza-se, faz discurso em nome do povo, ocupa cargo na gestão pública para isso: lesa a Pátria?… Esse fim justifica os meios?…

    Pessoas sensíveis também sentem vergonha pelas outras. Assim como vibramos com a vitória, com o sucesso dos que se dedicam e alcançam os seus objetivos por méritos, assim como nos sensibilizamos com as ações caritativas de pessoas que dedicam a vida a ajudar o próximo, assim também nos entristecemos com as ações que demonstram a insensibilidade, a ilicitude, a covardia, o mau-caratismo, o desrespeito ao patrimônio de um povo…

    Já estão vindo por aí eleições e copa do mundo. E aqui uso os versos da canção “Sujeito de Sorte” de Belchior: “E tenho comigo pensado/ Deus é Brasileiro e anda do meu lado/ E assim já não posso sofrer/ No ano passado/ Tenho sangrado demais/ Tenho chorado pra cachorro/ Ano passado eu morri/ Mas esse ano eu não morro.”

    Continuo “chorando pra cachorro”. Quando a barbárie do homem moderno, dito civilizado, bate nas nossas retinas, um sentimento de tristeza invade o nosso peito. Se não tivesse esperança e fé, talvez já teria desistido de ser humano. Mesmo se Deus não fosse brasileiro continuaria do nosso lado. Até os corações mais calejados são afetados pela dor que vem da fome de um povo.

    Não desistir da Poesia é não desistir da vida. Vamos “amar e mudar as coisas”…. Caminharemos juntos de mãos dadas para que a paz esteja entre os homens…

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