• A venda dos acervos na pandemia

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  • 09/04/2021 08:20
    Por Antonio Gonçalves Filho / Estadão

    Ao contrário dos museus americanos, agora autorizados a vender obras de suas coleções para compensar as perdas registradas na pandemia do novo coronavírus, não há nenhum movimento similar entre os museus brasileiros. O Estadão ouviu diretores dos principais museus de São Paulo, que são contrários à venda de acervos para cobrir gastos dessas instituições – essa seria uma medida extrema, segundo eles. Antes da pandemia, a venda de obras de arte pelos museus americanos só era permitida para a aquisição de novas peças, mas, desde abril do ano passado, a Associação Americana de Diretores de Museus de Arte suspendeu essa proibição e autorizou a venda por dois anos para permitir um equilíbrio no orçamento dos museus.

    Foi assim que, segundo a agência France Press, o Museu do Brooklyn, já em dificuldades financeiras antes da pandemia, colocou à venda em setembro último obras de seu acervo, entre elas uma tela de Monet e duas pinturas de Dubuffet. A meta era criar um fundo de manutenção da coleção. Ainda segundo a agência, o diretor do Metropolitan Museum, Max Hollein, anunciou que usaria o dinheiro da venda de obras de seu acervo para pagar despesas de restauração e o salário dos restauradores, embora não planeje vender mais obras que nos anos anteriores.

    Seguindo o exemplo de seus irmãos maiores, o Museu de Arte de Baltimore projetou a venda de três obras de sua coleção, incluindo um Warhol e um Brice Marden. No entanto, essas tentativas de venda esbarraram em protestos como o do advogado Laurence Eisenstein, que acabou como líder de uma rebelião contra os diretores do museu. Reações como essa são cada vez mais frequentes nos EUA.

    No Brasil, mesmo antes da pandemia, protestos dessa natureza indicam que pode acontecer o mesmo se os museus copiarem o modelo americano: o Museu de Arte Moderna do Rio (MAM/RJ), em 2019, conseguiu vender sua única tela do pintor norte-americano Jackson Pollock por US$ 13 milhões, metade do preço estimado, provocando enérgicas reações de artistas e colecionadores. A Phillips, casa de leilões responsável pela venda em Nova York, não revelou o valor nem a identidade do comprador da tela abstrata Número 16, pintada na fase mais valorizada do artista (1950).

    Pollock foi motivo de discórdia também nos EUA. Everson, um museu de Syracuse, em Nova York, vendeu por US$ 12 milhões uma tela do pintor recebida em doação, provocando a ira de críticos e colecionadores. Os diretores do museu justificaram a venda como uma estratégia para “diversificar” sua coleção. A venda de Red Composition (1946) financiará, segundo eles, a aquisição de obras de artistas negros, mulheres e outros nomes pouco representados na coleção do museu.

    Em junho de 2020, o Everson lançou um Equity Task Force para promover a “justiça racial e econômica”, tornando prioritária a aquisição de obras por grupos marginalizados. A diretora do museu Elizabeth Dunbar evocou o assassinato de George Floyd por policiais para justificar a responsabilidade do museu na luta contra o racismo.

    A reação foi instantânea. Um dos críticos do Wall Street Journal, Terry Teachout, lamentou que esse Pollock, “o mais importante da coleção Everson”, nunca mais será visto pelo público após ser vendido a um colecionador privado. O citado advogado Laurence Eisenstein teme que doadores e autoridades retirem seu apoio financeiro dos museus que vendem seus acervos. “Eles podem pensar algo como ‘por que eles precisam do nosso dinheiro? Em vez disso, vendam suas obras’.”

    Em São Paulo, museus como o Masp têm recebido muitas obras em doação nos últimos anos, mas não seguem o modelo do museu Everson. “O Masp nunca cogitou a venda de peças de seu acervo. Nem precisamos. Isso seria uma situação extrema, que vai contra o princípio de preservar o acervo. Se for para cobrir uma lacuna, é aceitável. Já a venda para cobrir custos operacionais, mesmo em situações atípicas como esta pandemia, deve ser o último recurso, uma medida de exceção”, afirma o presidente do museu, Heitor Martins. “Antes, o museu deve buscar apoio na comunidade. O museu tem uma relação com os doadores de obras e não pode fugir de suas obrigações com os mesmos.”

    Com ele concorda Mariana Berenguer, presidente do Museu de Arte Moderna de São Paulo (MAM/SP). “O Museu de Arte Moderna de São Paulo desenvolve uma gestão que preza pela manutenção de seu acervo e pela sustentabilidade financeira. Não acreditamos que a venda de obras possa servir para equilibrar orçamento, ou para despesas ordinárias. A política de desincorporação de acervo do MAM é voltada para o aperfeiçoamento da coleção e investimento no próprio acervo. O MAM tem investido em sua coleção, estamos realizando inclusive um inventário do acervo”, revela.

    Berenguer acredita em “diversificação de formas de captação de recursos”, que não envolva a comercialização direta do acervo. “Realizamos isso por meio dos patrocínios e editais, seja com leis de incentivo ou verba direta, como também por meio dos programas de negócios, como o Clube de Colecionadores.”

    Já o diretor da Pinacoteca do Estado, Jochen Volz, analisando o atual cenário da pandemia, diz: “No momento que estamos vivendo, que gerou para muitos setores da sociedade uma crise existencial, inclusive de sobrevivência, é necessário imaginar outros caminhos para o futuro e até mesmo pensar o impensável. Neste sentido, a alienação de uma obra de arte de um acervo, a princípio condenada pelos códigos internacionais de conduta de museus, pode representar uma possibilidade excepcional de equação orçamentária. Deve ser entendido como recurso último, enquanto ele garante a continuidade das ações culturais, educativas e científicas de uma instituição, parte da missão pública dos museus. Entendo que a situação das instituições norte-americanas é muito distante da realidade brasileira. Para a Pinacoteca de São Paulo, esta discussão não se aplica”.

    As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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