• A um companheiro de luta

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  • 18/fev 08:00
    Por Ataualpa A. P. Filho

    Em “Humano, Demasiado Humano”, Friedrich Nietzsche afirmou: “um bom escritor não possui somente seu próprio espírito, mas também o espírito de seus amigos”. E quem é aprendiz de escritor que perde um amigo, um colega de trabalho, um companheiro de batalha, um leitor crítico, como fica?…

    O vácuo da ausência provocado pela certeza da irreversibilidade proveniente da decomposição da matéria nos diz que a morte é um processo de luta até a última molécula. A resistência pode ser vista nas ligações “co-valentes”. Um átomo liga-se a outro átomo, como um ser humano liga-se a outro ser humano para substanciar-se.

    A morte das células consiste em um processo contínuo, às vezes, imperceptível. Porém ininterrupto pela ação do tempo. Por isso temos que aprender a aceitar o inevitável. As substâncias orgânicas naturais têm prazos de existência. Ainda bem que há o calor humano que movimenta as hélices do amor, da esperança, da fé, produz sonhos e sede de eternidade. A química da vida tem outros elementos na tabela periódica que não estão restritos à matéria.

    Há uma energia que emana de corpos que propagam o Bem. Essa energia preenche o abstrato. Por isso que o vazio da morte não aniquila a esperança, nem a fé. Se colocar uma gota de lágrima em um tubo de ensaio não vai destilar a dor que brota da alma diante da perda de um amigo, como também não retrata as ações dele diante das adversidades da vida que o tornaram inesquecível. As cinzas não são os amigos que a realidade nos dá. Elas apenas simbolizam o princípio e o fim. Mas é no durante que se constrói a eternidade. Eterno é o lembrado. Eternecer é viver a ternura na batalha do dia a dia.

    Uma fé sólida supera uma realidade gasosa. Por isso acredito em um Criador que fez todas as coisas visíveis e invisíveis, palpáveis e impalpáveis. Não tenho capacidade para entender o que Ele faz, nem tenho a pretensão de explicar as ações dEle. Mas a onipotência, a onisciência e a onipresença estão explícitas na perfeição de Suas obras. Maravilhar-se diante delas não se trata de uma questão de inteligência, mas de sensibilidade.

    As reações químicas orgânicas e inorgânicas diante da morte, para mim, ainda são um mistério. Uso a palavra mistério, porque não se restringe ao que não conheço, ao enigmático, mas no que me fez aceitá-la assim com uma resignação que não tinha antes. Culpo o tempo pelas derrotas das minhas resistências. Cansa buscar explicações, principalmente diante do óbvio. O fluxo do viver só é possível pelo oxigênio (O2). Temos que aprender com o percurso das águas (H2O).

    O amigo Mussel continuará em nossa estrada diariamente, principalmente nos momentos em que a serenidade for necessária. Ele está registrado na história sindical de Petrópolis. Por diversas vezes, estivemos atados a prosas sobre questões trabalhistas, sobre questões acadêmicas, sobre metodologias pedagógicas e, é claro, sobre o Flamengo. Como ninguém é de ferro, o papo, às vezes, precisava ser regado por um bom vinho, mas sempre com moderação. Com frequência, eu recebia mensagens dele comentando os temas das crônicas publicadas nos jornais locais.

    Nas solenidades organizadas, em parceria, pela Academia Petropolitana de Educação e o Sindicato dos Professores das Escolas Particulares de Petrópolis e Região (SINPRO), estávamos sempre juntos. A saudade é bordada no tecido do coração. Eu, que amo a linguagem, gostava de ouvi-lo, falando pausadamente. As palavras saindo debaixo do bigode sempre me lembravam de Paulo Leminski.

    O professor Antônio Carlos Mussel, meu colega de profissão, era amante da Química. Atuou no magistério petropolitano por mais de cinco décadas. Partiu com 75 anos, bem vividos, em um dia que carrega uma cicatriz ainda aberta em Petrópolis, 15 de fevereiro. Passaram-se dois anos, mas muitas lágrimas ainda escorrem em razão da inesquecível tragédia de 15 de fevereiro de 2022, dia em que fortes chuvas caíram sobre nossa cidade como uma bomba atômica.

    O companheiro de batalha ajudou a fundar o SINPRO. Gostava de prestigiar os amigos, mas quando recebia uma homenagem ficava com a timidez exposta. O cofre do amor é o coração. Depositamos nele o que é capitalizado pela ternura, pelo carinho. Na morte, não há espaço para as ilusões, nem fantasias. Por isso que, diante dessa realidade, fincamos as flores da esperança e da fé no eterno espaço da lembrança…

    O professor Mussel viverá nos corações de seus alunos e dos colegas de trabalho. Ele agora está ao lado da companheira que sempre amou.

    Que a família desse mestre tenha o conforto que emana da Misericórdia Divina…

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