‘A Terra que eu vi do espaço é redonda’, diz o astronauta Charles Duke em SP
Desde que o épico Ramayana foi escrito pelo poeta hindu Valmiki entre 500 e 100 a.C., com uma nave voadora que leva o rei Rama em sua jornada celestial, o espaço fascina a humanidade. A viagem às estrelas passou de sonho a realidade somente no século 20, e uma exposição aeroespacial montada no estacionamento do Shopping Eldorado convida o público a conhecer parte da história da exploração espacial e a interagir com mais de 300 objetos originais usados no programa Apollo, da Nasa.
Space Adventure cumprimenta os visitantes com um vídeo ao som de Rocket Man, de Elton John, na entrada, e entre os itens mais interessantes estão objetos cedidos pela Nasa que ajudam a saciar a curiosidade sobre o cotidiano no espaço em relação a comida e higiene. Alimentos selados a vácuo, intactos desde a década de 1970, fraldas usadas nos trajes para coletar fezes e urina são detalhes inusitados da mostra. Trajes originais, incluindo uma bota ainda suja de poeira lunar, uma roupa usada por Buzz Aldrin e outros artigos preservados estão expostos.
Painéis relatam a história da exploração espacial desde os primeiros projéteis do engenheiro alemão Wernher von Braun feitos com propósitos bélicos durante a 2ª Guerra Mundial – uma dura lembrança de que a ciência pode ser usada tanto para o avanço quanto para o retrocesso civilizatório. Réplicas em tamanho real dos módulos de pouso lunar e de reentrada (que mostra o quão claustrofóbica era a viagem de volta, com três astronautas enfurnados num cubículo trepidante) e dos carros utilizados para atividades na superfície lunar dão a real dimensão dos itens. O espaço criado numa tenda climatizada, porém, oferece pouca ventilação aos visitantes.
Para promover a Space Adventure, um personagem ilustre veio a São Paulo: Charles Duke, 10º astronauta a pisar na Lua, sendo o mais jovem de todos até hoje. “De todas as exposições que já vi mundo afora, esta é a mais completa”, afirmou ele durante entrevista coletiva nesta quinta-feira, 26. “Nem todos os artigos voaram ao espaço, porque a Nasa infelizmente cancelou as três missões finais do projeto Apollo, mas todos foram feitos para voar.”
Duke fez parte da equipe de solo durante a missão Apollo 11, em 1969, em que Neil Armstrong e Buzz Aldrin se tornaram os primeiros seres humanos a caminhar por outro corpo celeste. Em 1972, foi a vez dele viajar com a Apollo 16, aos 36 anos, sendo piloto do módulo lunar. “A experiência de caminhar sobre a Lua não mudou a minha vida. Diferente de outros astronautas, não tive experiências espirituais, psicológicas ou filosóficas. Eu estava muito concentrado na missão e não tive tempo de pensar muito profundamente a respeito na época”, admite ele.
Para realizar uma missão de tamanho grau de complexidade como foram as viagens à Lua é preciso que os astronautas tenham preparo físico, conhecimento técnico e resiliência psicológica. Perguntado sobre o que é mais decisivo, ele reflete: “Para o sucesso de uma missão, o treinamento é o mais importante. Claro, se tudo funcionar. Se você tiver uma explosão durante a decolagem, seu treinamento não adiantará de nada.”
Duke tirou essa lição de uma brincadeira que fez em solo lunar, tentando bater o recorde de salto em altura – que ele afirma ter conseguido. A traquinagem o fez cair de costas e quase quebrar o aparato de suporte à vida de seu traje, sem o qual ele morreria. “Jamais faça nada no espaço que você não treinou exaustivamente na Terra.”
Ele lembra que, segundo o plano, teria de dormir entre o pouso e as atividades externas. “Imagine o quão difícil foi dormir duas horas após pousar na Lua.”
Duke diz que vê com bons olhos as novas empreitadas espaciais lideradas por empresas e já até recomendou que amigos voem para o espaço. “Quando estiverem lá, não pensem na falta de gravidade. Olhem pela janela. Será uma vista que vocês jamais viram”, indica.
Para ele, iniciativas como a Space Adventure são relevantes para combater o crescente negacionismo científico – como o perigoso movimento antivacina – e as teorias conspiratórias – como a que sugere que o pouso na Lua não ocorreu ou que a Terra seja plana. “Nós pousamos na Lua seis vezes. É inquestionável. Você pode ver as rochas que trouxemos, os locais de pouso com nossos carros. E a Terra que eu vi do espaço é redonda.”