• A terceirização da culpa, como sempre

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  • 11/02/2023 08:00
    Por Gastão Reis

    Faz alguns anos, mas ainda me lembro bem de um seminário de que participei em que o palestrante fez uma pergunta cuja resposta parecia óbvia: “Qual é o esporte nacional mais popular do Brasil?” Muitos, de peito cheio, disseram que era o futebol. O palestrante discordou. Para ele, o mais popular era mesmo a terceirização da culpa. Quando nos lembramos do que disse o famoso folclorista Câmara Cascudo: “O Brasil não tem problemas, apenas soluções adiadas”, nos damos conta que o palestrante tinha respaldo.

    Ao folhear O Globo, de 08/02/2023, e ler os comentários dos articulistas de plantão, me dei conta de que vem se formando certo consenso que é desfavorável a Lula. A simpatia pré-campanha está se dissolvendo rapidamente tamanha é a quantidade de bobagens que vem proferindo com ares doutorais. O artigo de Vera Magalhães, “Uma marola que vai custar caro”, pode ser resumido pela parte em negrito: “Lula parece imbuído de uma crença de que será possível se manter no palanque reeditando a herança maldita”. 

    Ela criticou Lula em relação ao que ele disse na posse do Mercadante na presidência do BNDES.  Mais uma vez, ele investiu contra o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, tentando responsabilizá-lo pela demora na retomada do crescimento em função da elevada taxa de juros de 13,75% vigente no momento. Claro que nem os membros da equipe de seu próprio governo, presentes ao ato, conseguiram engolir um sapo desse tamanho. Disse ser infantilidade de Lula buscar um “culpado” num nome associado a Bolsonaro, na mesma linha da herança maldita, como cansou de fazer no pós-FHC. Renegou a herança bendita recebida, em especial a inflação sob controle através do Plano Real, que a bancada do PT, na época, votou contra.

    Curiosamente, Vera Magalhães concorda em relação à herança maldita de Bolsonaro. É fato que os titulares nas áreas de Saúde e Educação deixaram  a desejar. Entretanto, ignorou a herança bendita deixada pelo ministro Paulo Guedes na economia.  Deveria ter se informado melhor sobre o que disseram instituições internacionais como Banco Mundial e FMI quanto à gestão elogiável de Paulo Guedes. Herança realmente maldita teria sido deixar a economia do país ir para o brejo, dado que afeta tudo o mais, em especial os mais pobres.

    O editorial do Globo, no mesmo dia, vai direto no fígado ao afirmar que Lula ao invés de atacar o Banco Central deveria começar a governar. Sugestão pertinente que foi repetida por Elio Gaspari em sua coluna na página 3. Essa reversão do posicionamento dos colunistas do jornal (Merval Pereira, em artigo recente, acusou Lula de mentir em foros internacionais ao rotular de golpe o impeachment de Dilma) revela, por um lado, responsabilidade profissional deles como jornalistas. Mas, por outro, denota certa ingenuidade ao acreditarem que as propostas disfuncionais de Lula eram jogo de cena de campanha. O Lula 1, pelo jeito, morreu de morte morrida.

    Essa reação da grande mídia vem se consolidando a julgar pelo editorial do Estadão deste mesmo dia 08/02/2023. No lead do editorial, Lula é acusado de agir como amador no ataque às decisões do Banco Central, “pois o prejudicado seria o país, mas, sabemos todos, Lula não é amador”. E que ele está em campanha permanente na busca de um culpado pelo crescimento pífio do país. 

    De fato, Lula não é amador. Ele é um profissional contumaz da mentira. Basta acompanhar as declarações dele aqui e no exterior sobre fatos que ele distorce a seu bel prazer. Pior: recentemente foi chamado de bandido por um deputado português em plena sessão do Parlamento. Ou seja, sua imagem começa a ser desmontada no exterior. Nessa batida, irá de mal a pior.

    Membros de sua própria equipe lhe dizem para não insistir nessa linha de tentar terceirizar a responsabilidade, que é dele, Lula, na busca pelo crescimento sustentado do País.  Insistir nisso só iria levar a uma reação pior ainda do mercado. E configura um governo simpático à gastança, que continua no palanque incapaz de apontar rumos para o país até agora.

    Mesmo aqueles que querem dar a Lula um mínimo de crédito de confiança deveriam se perguntar se é factível um governo com as mesmas caras de condenados pela justiça ou de responsáveis por lambanças em matéria de política econômica terá condições de acertar o passo. Em especial quando o comandante do barco está indo em direção à cachoeira de 200 metros de altura mais à frente no rio em que está navegando.

    Lula se entusiasmou quando ouviu as propostas de Lara Resende. Este defende, até mesmo a emissão de moeda, como mecanismo para financiar investimentos produtivos. O argumento de Resende é que tais investimentos gerariam depois produção para impedir que a inflação disparasse. Trata-se de uma posição (quase) isolada, mas que tem o aval de economistas americanos de peso que buscam abrir novos caminhos na chamada nova macroeconomia. Poucos renomados economistas brasileiros concordam com ele. 

    Dando a Resende o benefício da dúvida, podemos recorrer ao caso da construção de Brasília se aquela montanha de recursos tivesse sido aplicada em investimentos produtivos, em especial na modernização de nossa indústria de transformação de 1956 a 1960. É razoável supor que a hipótese de Resende pudesse ter funcionado. Mas não é bem isso que Lula deseja. Corte gastos para elevar a produtividade pífia do setor público nacional está fora de questão para Lula. Jamais vai enfrentar as mordomias da alta burocracia brasileira. Nessa linha, a proposta de Lara Resende teria muito pouca chance de vingar.  

    Para tornar o quadro mais sombrio ainda, o apoio de Lula a países como Cuba, Venezuela, Nicarágua e similares, como se fossem países em que a proposta socialista estivesse dando certo, gera no mercado alto grau de desconfiança em relação ao futuro. Algumas grandes empresas já fecharam as portas no Brasil. Daí para a fuga de capitais é o passo seguinte natural. E terceirizar a culpa não vai ajudar em nada. Que tal dizer a que veio?

    Nota: Vídeo meu sobre o governo Temer, ainda atual: “E a mentira continua

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