• A revolução dos bichos

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  • 04/07/2021 08:00
    Por Ataualpa Filho

    Na década de oitenta, um livro fez sucesso entre os jovens que, rebeldes ou não, tiveram a oportunidade de ler ou, pelo menos, ouviram falar da obra “A Revolução dos Bichos”, escrita por Eric Arthur Blair, que usava o pseudônimo de George Orwell. Embora esse livro tenha sido lançado em 1945, em plena Segunda Guerra Mundial, no Brasil ganhou espaço no pós-64, momento este em que se viveu um forte conflito político. Naquela época, as discussões traziam uma carga ideológica forte. E o livro permite uma reflexão sobre as organizações sociais e os regimes governamentais.

     Hoje vivemos em outro momento conturbado politicamente. Só que dessa fez, as ideologias, as utopias estão bem distantes. O que se vê é uma crise de valores éticos: fala-se do que se roubou ou que se deixou de roubar, a palavra propina nunca foi tão ventilada. Suborno, corrupção são termos que estão na ordem do dia. As discussões sobre um projeto de governabilidade pautado no bem comum, no interesse do povo, não é cogitado, apenas se coloca em pauta os interesses dos partidos. As negociações são feitas para favorecer aqueles que desejam fatiar o poder para obter alguma vantagem.

    Lamentavelmente estamos presenciando o lado mais cruel da corrupção que não só lesa a Pátria, mas também causa morte de pessoas inocentes. Há um sistema que se mantém pelo tráfico de influência, no qual uma minoria manipula a grande massa por meios assistencialistas. Em outras palavras, o voto é barganhado e não conquistado, tornou-se uma mercadoria, por isso é sempre negociado e as consequências são trágicas. Raros são os que ainda votam por uma consciência ideológica.  Diante de tantos discursos de falsos honestos, lembrei-me das verdades que há no manifesto do velho Porco, personagem do citado livro:

    “O Homem é a única criatura que consome sem produzir. Não dá leite, não põe ovos, é fraco demais para puxar o arado, não corre o suficiente para alcançar uma lebre. Mesmo assim, é o senhor de todos os animais. Põe-nos a trabalhar, dá-nos de volta o mínimo para evitar a inanição e fica com restante. Nosso trabalho amanha o solo, nosso estrume o fertiliza e, no entanto, nenhum de nós possui mais do que a própria pele.” – É válido mencionar, que a pele a que se refere não tem etiqueta.

    Ultimamente, em virtude dos acontecimentos políticos, tenho ouvido, com frequência, um ditado português: “quando o navio está naufragando, os ratos são os primeiros a abandoná-lo.”

    Mas, se há ratos no navio é porque há alimentos para eles e o serviço de desratização é falho.  Quem deseja conviver com eles tem que saber como agem. É do conhecimento popular que a sujeira propicia a proliferação. Muitos se beneficiam dela.

    Os ratos, coitados, são comparados com humanos. Todos sabem que eles não têm livre arbítrio, são movidos pelo instinto e têm um comportamento previsível. E não há um código de ética em suas relações, não existe na sociedade deles valores morais. Nesses casos, há uma tendência em humanizar os bichos e animalizar os homens. Os camaleões, por natureza, têm a sua mutação; alguns homens, por falta de caráter. E mudam com uma facilidade incrível para se apropriar de bens públicos, utilizando-os como propriedade privada sem o menor escrúpulo. Há uma estrutura política viciada que favorece o enriquecimento ilícito. As negociatas são realizadas com o dinheiro do povo. E as consequências são visíveis na precariedade da saúde, nas péssimas condições das estradas, na falta de recursos para a educação…

     Não se pode subestimar a inteligência da população de um país. Às vezes, fico pensando: quantas escolas, quantos hospitais poderiam ser construídos com esse dinheiro desviado dos cofres públicos e que se encontra em paraísos fiscais?

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