• A realidade inacreditável

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  • 24/mar 08:00
    Por Ataualpa A. P. Filho

    Às vezes, pelo nosso ceticismo, até a realidade é vista com desconfiança. Quantas vezes o “não é possível” salta espontaneamente por incredulidade? O “incrível”, o que não é “crível”, aquilo em que “não se pode acreditar”, é mais usado com o sentido de “extraordinário”. O inacreditável, em relação ao citado vocábulo, ficou mais voltado para os feitos grandiosos. Mas precisamos estar atentos para não embarcar nas óticas das ilusões, uma vez que é possível desejar o impossível.

    Ultimamente tenho refletido bastante sobre o apóstolo Tomé, que hoje representa uma grande parcela da nossa sociedade. O “ver para crer” carrega consigo um grau de desconfiança:

    – É possível acreditar em algo que não passou pelas nossas retinas?…

    Para ampliar esse primeiro momento da nossa prosa, transcrevo um trecho do livro “Os Irmãos Karamázov” do mestre Fiódor Dostoiévski:

    “Um verdadeiro realista, se é incrédulo, encontra sempre em si a força e faculdade de não crer mesmo no milagre e, se este último se apresenta como um fato incontestável, duvidará de seus sentidos em vez mesmo de admitir o fato. Se o admitir, será como um fato natural, mas desconhecido dele até então. No realista, a fé não nasce do milagre, mas o milagre da fé. Se o realista adquire a fé, deve necessariamente, em virtude de seu realismo, admitir também o milagre. O apóstolo Tomé declarou que não acreditaria enquanto não visse; em seguida, diz: ‘Meu Senhor e meu Deus!’ Fora o milagre que o obrigara a crer? Muito provavelmente não, mas ele acreditava unicamente porque desejava crer; talvez tivesse já a fé inteira nas dobras ocultas de seu coração, mesmo quando declarava: ‘só acreditarei depois que tiver visto’”.

    – Pois é! Eu não vi, mas acreditei em quem viu, ou melhor, acreditei, porque não vi. Se tivesse visto seria testemunha, não necessitaria do exercício da confiança.

    Vou lhe contar um fato que se passou no início da minha adolescência, que está na parcela do inesquecível registrado na memória:

    Era 02 de novembro, Dia de Finados. Por hábito, eu e meus irmãos íamos visitar o túmulo onde repousa os restos mortais dos nossos avós paternos. No ofício de irmão mais velho, na ausência dos meus pais, eu me sentia responsável por eles. Éramos oito (três meninas e cinco meninos). Entrei pela porta central do Cemitério São José, em Teresina, com uma das minhas irmãs. Quando chegamos próximo à capelinha, ao lado direito em que fica o sino, muito tocado pelos visitantes, ela puxou forte a minha mão e disse:

    – Não pisa no homem…

    – Que homem?

    – Não tá vendo? Tá bem aí deitado no chão dormindo…

    Não vi homem algum deitado. Os cemitérios nos dias de finados têm uma frequência enorme. Acreditei no fato dela ter visto o que eu não vi. Ela não entendeu como eu não via o que ela via claramente. Pelas reações dela, não tenho dúvidas que ela viu um homem deitado no chão do cemitério. Eu iniciava a adolescência, e ela era criança, era o quarto degrauzinho da escadinha lá de casa.

    Toda vez que volto a Teresina, invariavelmente, vou ao citado cemitério. Não por obrigação, mas pela força da saudade. As lembranças vencem o tempo…

    Tenha um pouco mais de paciência para ler um outro caso atípico. Sobre este, descarreguei um bocado de incredulidade, quando ouvi pela primeira vez em uma barbearia. Só criei coragem para lhe relatar, depois de ter ouvido a mesma pessoa contando a mesma história meses depois com a mesma riqueza de detalhes:

    No dia em que ouvi pela primeira vez, a tv estava ligada em um telejornal. A reportagem em destaque, no momento, abordava as queimadas na região amazônica. Entre os comentários e as exclamações sobre os estragos provocados pelo fogo, um senhor falou:

    “Quando criança, no interior de Minas, um fazendeiro mandou tocar fogo no mato para limpar o terreno e fazer a plantação dele. Só que o fogo fugiu do controle. Passou pros outros terrenos. Vendo tanto desespero, um caboclo tirou o chapéu. Pediu para que as pessoas ali desesperadas parassem de tentar apagá-lo. Mas ninguém o levou a sério.

    – Esse fogo só vai parar, quando vocês pararem de tentar apagar ele, vocês estão abanando – disse o caboclo.

    As pessoas, por um instante, pararam. O caboclo olhou pro céu, fez uma oração. Botou de novo o chapéu na cabeça e disse antes de seguir o seu destino:

    – Fiquem tranquilos que o fogo vai apagar…

    Em pouco minutos as labaredas começaram a virar fumaça. Ninguém sabe até hoje que oração aquele caboclo fez. O fogo apagou.”

    Aqui lhe pergunto: – você também já viu algo inacreditável?

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