• A real natureza das coisas

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  • 10/09/2016 09:00

    O grave e profundo processo de crise econômica pelo qual passamos exige uma análise dessa situação que permita entender a onda atual como uma relação caracterizada pela dimensão da crise sistêmica do capitalismo. Neste momento em que o excedente de capital não encontra possibilidades de investimento para se valorizar, cria uma inércia pela incapacidade de reprodução do próprio capital sem as condições necessárias para tal, ou ainda na presença delas, mas premido por fatores inerentes à sua própria existência.

    Diferente das crises cíclicas e periódicas, as crises sistêmicas costumam ser renitentes, como as de 1873 e 1929. É o caso da crise atual, que veio pra ficar, gerando primeiro um movimento de especulação e depois de ajuste. Hoje, a questão central da crise é a dificuldade do fundo público em remunerar o capital, ou seja, os diversos Estados não se encontram em condições de pagar os juros e as diversas obrigações alocadas e contratadas – em situações já denunciadas – para os bancos, não cumprindo assim o seu papel de remunerador sem limites do capital em seu processo de agiotagem. Portanto, na gênese do capital estão as crises e na impossibilidade de superá-las em definitivo nos marcos deste sistema, reside seu caráter.

    Logo, não faz sentido recitar como mantra o ideal liberal que considera o Estado como o causador de todos os males que poderiam ser plenamente solucionados pelo mercado, sem procurar conhecer e, sobretudo, compreender as causas mesmas das crises e os nexos estruturais que as relacionam ao próprio sistema capitalista. A verborragia recorrente acerca da intervenção do Estado no domínio econômico, da elevada carga tributária, de sua ineficiência e, sobretudo, da corrupção que campeia em seu interior não resiste a uma confrontação séria. 

    Do discurso intervencionista descola-se, propositalmente, o socorro do Estado aos bancos e grandes empresas que apostaram na especulação e faliram; escamoteia-se que a elevada carga tributária destina-se, primeiramente, a garantir os ganhos fabulosos do capital rentista remunerando os bancos a título de serviço da dívida. É pra isso que serve o superávit primário. Num pirão com farinha pouca, os bancos são os primeiros a se servir. Por outro lado, a elevada carga tributária também destina-se a cobrir os rombos do socorro público à iniciativa privada, outro sintoma da relação promíscua entre público e privado que caracteriza nosso Estado patrimonialista. Por fim, o que sobra, costuma ser destinado a projetos cujo interesse não é público, já que atendem apenas parcelas da população que não necessitam da assistência do Estado. No limite, oculta-se que a dita “ineficiência” do setor público é deliberada e visa a privatização de seus serviços, usando também como argumento a marca da corrupção, sem atribuí-la a seus agentes e “clientela”.

    Nessa embolada de conceitos, confunde-se Estado com governo, público com privado e ciência econômica com palpite. E assim segue-se mascarando a real natureza da crise e o caráter que ela se reveste, afastando para bem longe seu horizonte de resolução, pelo menos nos marcos do atual sistema, e para o qual em nada contribui o cretinismo parlamentar que atribui a crise econômica à crise política, quando ocorre justamente o contrário.

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