• A política de ódio e o assassinato do indigenista Bruno e do jornalista Dom

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  • 26/06/2022 09:00
    Por Leonardo Boff

    O assassinato do conhecido indigenista Bruno Pereira e do jornalista inglês Dom Phillips comoveram o país e o mundo. Esse crime  só é compreensível no quadro de uma política de ódio e perseguição que o atual governo estabeleceu como política normal, atingindo principalmente os povos originários, os negros, os de outra opção sexual e os pobres em geral. Só no tempo do nazifascismo se instalou tal prática política. Ela é expressão de barbárie, quando se passa por cima do  contrato social que inaugura relações civilizadas entre os cidadãos.

    Esse assassinato precisa ser investigado até o fundo e ter em conta a atmosfera de ódio, de violência estimulada de cima que tomou conta do país. Quem tem afirmado que a revolução de 64 errou em torturar, pois deveria ter matado; quem explicitamente declara que, se precisasse, fuzilaria 30 mil esquerdistas e faz aberta apologia de um notório torturador, não está isento da atmosfera que propiciou o bárbaro crime cometido no Vale do Javari amazônico. Por que a PF suspendeu as investigações? A mando de quem? As instituições jurídicas estão submetidas à prova. Devem atuar.

    Apesar desta verdadeira desgraça nacional não queremos perder a esperança de que tudo virá à luz e os culpados diretos e indiretos sejam punidos. O país vai encontrar o seu verdadeiro destino. Inspira-nos o legado de um dos maiores pensadores do Ocidente, o africano Santo Agostinho (354-430). Dizia: jamais devemos perder a esperança porque sua alternativa é o suicídio. Mas confiem nela pois ela possui duas formosas irmãs: a irmã Indignação e a irmã Coragem. A indignação para rejeitar tudo que é mau e perverso. A coragem para mudar  esta situação em benéfica. Nesse momento sombrio de nossa história temos que enamorarmo-nos da irmã indignação e da irmã coragem.

            A irmã indignação

    Indignamo-nos contra um governo que se propôs como tarefa destruir todo o nosso passado cultural e impor outro modelo que  pretende nos conduzir a tempos obscuros de outrora. Subserviente  aos interesses norte-americanos, aliou-se ao  mais atrasado e reacionário existente naquele país.

    Indignamo-nos por um chefe de estado que, por sua alta função, deveria  viver valores e virtudes que gostaria que o povo também vivesse. Ao contrário, se excede nos maus exemplos. Tem difundido a partir de cima uma onda de ódio, de mentiras, de violências e de fake news como política de estado. Tal atitude insuflou na sociedade e nos órgãos policiais situações de barbárie com uso indiscriminado da violência dirigida contra os mais desvalidos. Mostrou-se absolutamente irresponsável em questões ambientais, de modo particular quanto à Amazônia e ao Pantanal.

    Indignamo-nos por ter-se aliado ao Covid-19, negando sua importância, tentando impor a imunização de rebanho, sacrificando com isso centenas de pessoas, e prescrevendo medicinas sem qualquer efeito imunizador. Negou a eficácia das vacinas a ponto de, a seu tempo, recusar  a sua aquisição. Ele é responsável por boa parte dos mais de  660 mil vitimados pelo Covid-19 quando poderia tê-lo evitado. Raras vezes, de forma ritual, mostrou empatia e solidariedade para com as famílias enlutadas.

    Indignamo-nos por desprezar as leis e a Constituição, atacar o STF e o TSE, ameaçar com um golpe de estado e claramente afirmar que reconhece nas eleições apenas um único resultado, a sua reeleição. Caso contrário haverá convulsão social, manipulando sua base fanatizada e armada.

    Indignamo-nos por ter traído a si mesmo e ao povo brasileiro, retomando inescrupulosamente a velha política que queria superar, aliando-se a grupos políticos oportunistas e conservadores com os quais articulou vergonhosamente um orçamento secreto, fonte de alta corrupção.

    Indignamo-nos, por fim, por ser corrupto no sentido originário da palavra: ter um coração (cor) corrupto (corruptus). Pior que a corrupção monetária existente no atual governo, mas impedida de ser investigada ou colocada sob sigilo, é a corrupção de sua mente e de seu coração. Ele é visivelmente tomado pela pulsão de morte, pelo descuido que mostra pela vida das pessoas e da natureza. É desta corrupção fundamental que nasce seu ódio, sua boçalidade, as palavras de baixo calão, as mentiras  e a distorção da realidade. Como pode dizer ainda que tem Deus no coração?

            A irmã coragem

    Encorajam-nos a oposição e a resistência de políticos ligados aos interesses gerais da nação, especialmente dos movimentos sociais populares do campo e da cidade e de vários estratos maltratados por seu governo, como artistas e atrizes, os cultores da cultura,  os negros, os quilombolas, os indígenas e os pobres.

    Encorajam-nos os meios de informação e de opinião alternativos, sejam impressos, sejam pelas mídias virtuais, que mantêm viva a consciência crítica e denunciam os desmandos governamentais e parlamentares.

    Encorajam-nos os vários manifestos de professores e professoras, de intelectuais, artistas, gente dos movimentos sociais e do povo organizado contra as reformas que desmontaram conquistas históricas de direitos dos trabalhadores e de aposentados, entre outros.

    Encoraja-nos a consciência nacional e coletiva em defesa de  nossa democracia representativa que, embora não seja de alta intensidade, comparece com o grande instrumento político para a manutenção de um estado de direito, da vigência e respeito à constituição e às leis, sendo o  espaço das liberdades de opinião e da elaboração dos consensos.

    Encorajam-nos as iniciativas populares e dos movimentos sociais, a despeito da falta de apoio dos órgãos oficiais, de viverem concretamente a ética da solidariedade em tempos de pandemia, oferecendo toneladas de alimentos orgânicos e milhões de quentinhas aos milhares e milhares de desempregados e afetados pelo Covid-19.

    Encorajam-nos as centenas de encontros virtuais, via LIVES, promovidos por grupos ou organizações sobre temas atuais, reforçando o engajamento e a esperança. Cabe enfatizar o alto valor civilizatório do Instituto Conhecimento Liberta (ICL), fundado pelo ex-banqueiro Eduardo Moreira e seu grupo, que oferece virtualmente 145 cursos, ministrados pelas melhores cabeças nacionais e internacionais, atingindo mais de 60 mil alunos a preço de um sanduíche (42-49 reais) podendo  por esse preço seguir todos os cursos.

    Encoraja-nos a possibilidade de elegermos representantes políticos, desde as assembleias estaduais e do parlamento, que poderão dar sustentação a um eventual governo de resgate da democracia, dos direitos perdidos e de uma soberania ativa e altiva com repercussão internacional.

    Encoraja-nos o apoio internacional às nossas forças democráticas, contra o autoritarismo e barbárie social, resgatando nossa importância conquistada nas relações internacionais, especialmente pelas políticas de combate à fome e pelas demais políticas de inclusão social, técnica e universitária.

    Encoraja-nos, por fim, a relevância que nosso país possui, devido à sua privilegiada situação ecológica, no equilíbrio dos climas, na manutenção do sistema-vida e do sistema-Terra em benefício nosso e de toda a humanidade.

    Estamos convencidos de que nenhuma sociedade se constrói sobre o ódio ou sobre a pulsão de morte, mas sobre a convivência pacífica entre todos, no cuidado de uns para com os outros e da  grande Casa Comum, a natureza incluída, especialmente a Amazônia, bem comum da humanidade.

    Leonardo Boff é teólogo, filósofo e escreveu O pescador ambicioso e o peixe encantado: a busca da justa medida, Vozes 2022.

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