A pele de Arminho
A lama é o terror paraos arminhos. Preferem a morte a ter a pelagem suja em lamaçal. Por essa razão, as suas açõesgeralmentelevam a suscitar a expressão latina“malo moriquamfoedari” (antes a morte que a desonra). Em razão desse comportamento, tornou-se símbolo de pureza e retidão. Por isso, muitos reis, rainhas, papas e magistrados usavam mantos e golas com pele de arminho para representar a fidelidade a seus princípios. Hoje, por questões de preservação, estão substituindo a pele desse animal por equivalência artificial. Mas a simbologia, embora pouco conhecida, ainda está relacionada às condutas fundamentadas em princípios éticos em que a verdade deve ser preservada.
A pele desse pequeno animal carnívoro, que vive nas florestas temperadas árticas e subárticas da Europa, Ásia e América do Norte, varia em função da estação do ano: na primavera e no verão, a pele tem a cor castanho-chocolate no dorso com a barriga branco-amarelada. No outono e no inverno, a pelagem fica mais espessa e totalmente branca com a ponta da cauda de cor preta. É predador dos roedores, principalmente dos ratos. Mas, por outro lado, torna-se uma presa fácil quando é encurralado em lamaçal ou barrancos, porque prefere entregar-se ao seu algoz a sujar a sua pele na lama.
Entre as belas pinturas de Leonardo da Vinci está a “Dama com Arminho”, que se encontra em um museu em Cracóvia, Polônia. Foi pintada a pedido de Ludovico Sforza.
Esse genial artista renascentista, nascido na Itália, fez três diferentes versões do retrato de CecíliaGallerani, bela jovem que, no quadro citado, encontra-se com um olhar fixo em um ponto fora da tela, com um semblante tranquilo e um leve sorriso. Há um fato curioso que vale mencionar: “arminho” representa o sobrenome dela em grego “galée”, além de ser o símbolo de quem encomendou a pintura.
A descoberta dessas três versões se deve ao cientista francês Pascal Cotte que, após três anos, utilizando o método de análise de imagem “LayerAmplificationMethod” (Método de Amplificação de Imagens), chegou à conclusão queLeonardo da Vinci tinha pintado Cecília pela primeira fez sem o arminho. Somente nas duas outras versões que ele adicionou esse animal de pele tão valiosa e cobiçada em séculos passados, principalmente na Idade Média. Além da presença do animal, as mudanças mais significativas estão no vestido e na posição das mãos da jovem.
Hoje, no mundo político, são raros os casos em que se constata a conduta de um arminho. A lama da corrupção, da ilicitude não assustam. O envolvimento em falcatruas tornou-se caso banal. O “armar para se dar bem” já é assimilado como uma conduta normal. O burlar as regras do jogo para favorecimento próprio, o levar vantagem ludibriando o outro têm os méritos da “esperteza”. É triste ver o cinismo de quem demonstra não sentir nenhum pingo de vergonha ao ser desmascarado publicamente. As mentiras, as falsidades rotuladas de “fake News” tornaram-se plataformas políticas com explícitas intenções de enganar o povo.
E aqui cabe citar o que dissera Gandhi: “a dignidade pessoal e a honra, não podem ser protegidas por outros, devem ser zeladas pelo indivíduo em particular”. E, por achar correta essa linha de pensamento, discordo do ditado popular que diz que a “ocasião faz o ladrão” (occasio facit furem). A ocasião é que pode comprovar a idoneidade de alguém. O não se apropriar de bens alheios era para ser algo natural, mas tornou-se uma virtude por causa da desonestidade movida pela ganância.Há muitos lobos com pele de cordeiro.Cito aqui mais ditado latino: “o lobo muda o pelo, mas não a índole” (lupuspilummutat, non mentem).
Raposas velhas se candidatam para tomar conta de galinheiro, querem apropriar-se dos cofres públicos. É verdade que o “hábito não faz o monge” (habitus non facit monachum). Não é uma pele de arminho sobre o ombro ou sobre a cabeça que irá determinar a integridade de alguém. É verdade que as aparências enganam. Muitos se enfeitam exatamente para isto: enganar.
É preciso estar atento para identificar os falsos cordeiros. Nem sempre concordo com Nelson Rodrigues, mas tenho que admitir que ele encontrou várias razões para dizer: “nada mais cretino e mais cretinizante do que a paixão política. É a única paixão sem grandeza, a única que é capaz de imbecilizar o homem.”