• A paz nossa de cada dia

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  • 17/mar 08:00
    Por Ataualpa A. P. Filho

    Pacificar-se é um exercício contínuo, uma vez que é necessário manter a ternura para imunizar-se contra o ódio. Tenho procurado usar esta tecla da paz diante da estupidez inconsequente, da excessiva agressividade. A insensibilidade, a irracionalidade, a incompreensão, as intransigências, os conflitos políticos têm dificultado a edificação da paz entre os homens.

    O viver em sociedade requer um comportamento cívico regido pelo bom senso que prioriza o bem comum. Quando os gananciosos passos do individualismo suplantam os interesses da coletividade, quando não há paridade, quando o elitismo predomina, estabelecendo divisões sociais, consequentemente, uma parcela da sociedade passa a viver em situação precária. Por isso, é necessário lapidar o viver com arte para torná-lo mais leve. Deixar a flor à pele para ter a sensibilidade de pétala. Apurar os sentidos, purificar a alma, despindo-a dos preconceitos. Abrir o peito para alcançar a luz que aquece o coração e expurga o ódio que vem pela sombra da inveja. Amar a liberdade pelo princípio do respeito ao próximo.

    Quando consolidamos a consciência em função da responsabilidade social, necessariamente temos que expurgar o egoísmo. Não se trata da comunhão de bens, mas da comunhão de bem, ou seja, quando se fala do bem comum não se restringe à questão material, é muito mais amplo, pois “nem só de pão vive o homem.” A felicidade também é coletiva. Já está provado que ninguém é feliz sozinho. Assim como a dor do outro nos comove, a felicidade dele também nos alegra.  Por isso que o amor tem que existir na “alegria e na tristeza”, na “saúde e na doença”.

    Tenho dito que a sensibilidade é uma virtude intransferível, mas pode ser estimulada pela essência poética que amplia a percepção sobre a realidade. Hoje o ato de pensar é uma necessidade orgânica, porque o senso crítico transformou-se em mecanismo de autodefesa. O discernimento é um ato de sobrevivência, uma vez que as nossas escolhas podem determinar os caminhos do nosso viver. A inteligência humana se manifesta principalmente na adaptabilidade. A mudança de comportamento perpassa pela compreensão de que as nossas atitudes podem interferir no ambiente em que vivemos.

    A hostilidade entre os seres humanos sempre existiu, principalmente quando a vaidade aflora, ou quando a luta pelo poder vira obsessão. Contudo, há uma certeza: Quem criou o homem não o fez para a guerra. Não consigo assimilar a ideia de que a barbárie seja algo inerente à humanidade, porque o ato de amar é que nos conduz à felicidade. Ser feliz é o desejo de todos. Não há felicidade quando se planta o ódio. A guerra é o desamor, o primitivismo humano, a irracionalidade brutal. Viver não é digladiar.

    Sei que, antes do descobrimento da pólvora, irmão já assassinava irmão. Mas, no estágio em que a civilização humana se encontra, tornam-se inconcebíveis os crimes hediondos, o barbarismo. Tenho alimentado as minhas utopias para não perder a esperança no amanhã. Acredito na vitória do Bem. Sou a favor da vida. Considero-a como um direito intransferível. Por isso, acho que ninguém pode tirar a vida do outro. Fato que me leva a posicionar-me contra a pena de morte, contra os que acham que devem praticar a justiça com as próprias mãos.

    No meu parco conhecimento de história, ainda não encontrei nenhuma ditadura preconizadora da civilidade estruturada no respeito mútuo, sem a necessidade de respaldo bélico, sem a ostentação de um poder fincado em baionetas.

    A gentileza não está no controle remoto. Ainda somos os mesmos e vivemos em uma aglomeração social, tecnocientificamente evoluídos, mas humanamente primitivos. O status da mediocridade se envaidece pela fama, pelo sucesso. Há um vazio de egos inflados ostentando um glamour que só revela a pobreza interior. Temos que caminhar juntos na criação de uma consciência de direitos e deveres pautados em uma conduta ética, equilibrada para a construção de uma sociedade mais fraterna e menos competitiva. Precisamos ter em mente os versos da canção “Sal da Terra”, de Beto Guedes: “Vamos precisar de todo mundo./ Um mais um é sempre mais que dois./ Pra melhor juntar as nossas forças,/ é só repartir melhor o pão./ Recriar o paraíso agora/ para merecer quem vem depois.”

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