A necessidade coletiva
A esperança é abastecida pela fé. O milagre consiste na concretização do desejo que rompe a barreira do impossível. Viver sem esperança é abortar o sonho, é fechar a cortina do horizonte, no qual brilha o Sol da manhã.
Aprendi com Dom Helder Câmara que “O Deserto é Fértil”. Ariano Suassuna me fez constatar que vale a pena ser “realista esperançoso”. Mas foi a minha mãe que calibrou o grau da minha tolerância, quando me dizia: “o que não é pra sempre, sempre se aguenta”. Aprendi a tolerar, a esperar o momento certo para dizer o que penso.
“Desesperar jamais”, mesmo quando tudo possa parecer perdido. A luz do fim do túnel é esta que acende dentro de nós. Esperar que o outro faça aquilo que desejamos é transferir a responsabilidade do que temos que fazer. Não é possível construir um futuro sem calos nas mãos. Realmente é tolice o otimismo fantasioso. Pior é acreditar piamente nas promessas das campanhas políticas; as decepções são frequentes. Mas não é preciso puxar a cordinha com pretensões de descer do bonde deste mundo, achando que “tá tudo errado”. Vamos caminhar de mãos dadas que, além de unir forças, caminharemos desarmados.
Fazendo um balanço deste período eleitoral, encontrei um ponto positivo: tivemos menos poluição visual, diminuiu o número de placas e galhardetes. Os adesivos nos vidros dos carros também diminuíram.
Não encontrei aqueles militantes sonhadores, idealistas que colocavam a vida em risco por uma ideologia revolucionária. Iam às ruas com sede de mudança. Citavam versos de Brecht e Maiakovski como se fossem versículos bíblicos.
Vi coxinhas e mortadelas com crachás, distribuindo “santinhos” burocraticamente com horário a cumprir. E o humor sempre fica por conta daquele que assume o apelido que o populariza e usa-o nas campanhas. Entre esses, destaco o Ninguém, candidato baiano. Fez-me lembrar da obra de Gil Vicente (1465-1536), “Auto da Lusitânia”. Na qual, temos o seguinte diálogo:
“Ninguém: Como hás nome, cavaleiro?/ Todo o Mundo: Eu hei nome Todo o Mundo/ e meu tempo todo inteiro/ sempre é buscar dinheiro/ e sempre nisto me fundo./ Ninguém: Eu hei nome Ninguém,/ e busco a consciência./ Belzebu: Esta é boa experiência:/ Dinato, escreve isto bem./ Dinato: Que escreverei, companheiro?/Belzebu: Que Ninguém busca consciência,/ e Todo o Mundo dinheiro.”
O certo é que houve uma proliferação de notícias falsas nas redes sociais. Perdemos a oportunidade de estabelecer uma discussão mais profunda sobre os graves problemas do País. Os debates enveredaram pela ofensa moral. As acusações ganharam mais destaques. Estão envolvidos, nesta eleição, 35 partidos. Nem os próprios candidatos se preocuparam em divulgar as propostas partidárias. As promessas assistencialistas prevaleceram.
A questão da necessidade coletiva ficou em segundo plano. Pouco se ouviu, em debate, a questão energética, a precariedade do sistema carcerário, a mobilidade urbana, o escoamento da produção agrícola, a estagnação da indústria, da construção civil. A saúde, a cultura, a educação estão sucateadas…
Tão importante, quanto à questão do aborto, é a situação das crianças que vivem na miséria, em palafitas. São paradoxais as atitudes de quem se diz nacionalista e prega a privatização de empresas que são de suma importância para a soberania nacional.
A vida, para mim, é a prioridade. Muito me incomoda a quantidade de brasileiros vivendo nas ruas sem perspectiva alguma. A essência política está no bem comum. Não há democracia com o povo na miséria.