• A natureza feminina

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  • 12/maio 08:00
    Por Ataualpa A. P. Filho

    Mulher. Mãe. Existem substantivos que não carecem de adjetivos, pois trazem consigo uma significação tão ampla que, ao lado de um adjetivo, ficam limitados. A palavra “mãe” é um exemplo, dispensa qualquer adjetivação. É tão abrangente que envolve o amor na sua dimensão plena: “mãe é mãe.” É o que sempre falo…

    O vocábulo “mulher” também é assim amplo, remete à vida em estado de fertilidade, que, consequentemente, tem em si a essência da maternidade. A natureza feminina não se esgota, multiplica-se por uma necessidade do viver.

    A espécie humana carrega o tempo em ciclos. Nos primeiros anos de vida, a dependência do seio materno sinaliza apenas uma face da importância da mulher para a manutenção da nossa existência. A carência dos mamíferos nos primeiros dias, após o nascimento, expõe essa nossa dependência do ser fêmea.

    Indubitavelmente, a natureza feminina consiste no elo entre o Divino e o humano. A vida animal, que respira pulsada por um coração, guarda consigo marcas do acolhimento de uma fêmea como recanto de paz. Em um colo materno, os sonhos repousam embalados pela ternura.

    É do conhecimento de todos que dedicamos o segundo domingo de maio às mães. Por isso, os apelos comerciais tentam conduzir a afetividade para que se materialize em consumo. O melhor presente para as mães, no meu ponto de vista, consiste em não se transformar em dor no coração delas.

    Um dos problemas do consumismo está em querer associar bens materiais à felicidade. O desejo de despertar o prazer pelo consumo mergulha no efêmero, pois “o querer mais” se amplia no descartável. O prazer se manifesta na individualidade. A felicidade é de natureza coletiva, tem o outro como referência. Já está provado que ninguém é feliz sozinho. O coração de mãe é assim pelo acolhimento na partilha.

    Nessas últimas décadas, tenho testemunhado condutas femininas que têm me deixado contente. Tenho visto uma autonomia silenciosa, uma independência que não precisa ser explicada: louvo os cabelos grisalhos que carregam o próprio nariz por onde querem sem dar satisfação a ninguém. No metrô, no ônibus, nos teatros, nos cafés, nos cinemas, nas padarias, nas ruas, nas praças, na praia, encontro mulheres que andam sozinhas por opção. Vencem preconceitos, discriminações, assumem uma conduta independente no exercício da cidadania. Pagam seus impostos e exigem respeito e direitos diante do Estado e de uma sociedade patriarcal. Falo isso, porque vejo os esforços de várias colegas que se desdobram em múltiplas funções para manter um lar distante da submissão.

    “Não posso ser atropelada. Tenho dois filhos pra criar. E ainda sou arrimo de família. Não posso morrer…”

    Ouvi essa frase de uma colega de trabalho ao atravessar uma rua. Ela não é a primeira, nem a única, nem a última. Contudo, a superação da adversidade vem de uma força que cresce à medida que o impossível se apresenta. Em breve, teremos, em Petrópolis, o lançamento de um livro escrito por uma amiga educadora que, diante de tantos obstáculos, relata as suas conquistas para atender crianças que precisam de uma educação mais especializada. A Pedagogia do Carinho tem a face feminina que sabe ouvir, acolher, cuidar e despertar talentos. Essa amiga, que está com o livro no prelo, relatou:

    “A vontade de estudar era grande para garantir o meu sonho. No entanto, minha formação acadêmica foi interrompida por uma gravidez. A minha criação conservadora ditava que a função materna vinculada com a função esposa determinava o trancamento da faculdade de Pedagogia, concluído apenas o primeiro período, para dedicação ao lar. Trancar a faculdade era uma situação que me colocava “fora” dos meus sonhos, “fora” de concluir uma carreira, como se já não bastasse sentir-se “fora” do grupo de colegas aos dezessete anos por ser mãe e, por consequência, esposa. A fronteira da exclusão que marcava o meu lugar social.”

    E mais uma vez digo: ela não é a primeira, não é a única e não será a última. Mas não se trata apenas de mais um caso de superação, há também uma determinação que não deixar cair, pela estrada, os sonhos…

    Quando a Marta assumiu os cabelos grisalhos, ainda não estava na terceira idade. Eu vibrei. Assumir o tempo vivido é também uma questão de autenticidade. Pelo volume dos fios brancos, sempre era conduzida para a fila das prioridades. Agora, para o dia das mães, ela deu uma cortadinha, mas sem pintura. O tempo também sabe conservar a beleza madura…

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