• A música salvou uma vida

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  • 29/08/2023 14:00
    Por Fernando Costa

    Sempre que leio ou assisto pela televisão matérias sobre o “Campo da Morte” me emociono. Em 27 janeiro 2015 completou setenta anos da libertação dos prisioneiros de Auschwitz e o mundo passou a conhecer o horror que até hoje causa consternação e perplexidade.

    Desejo me ater a um fato ali ocorrido e ao milagre que um instrumento musical pode causar a uma pessoa e até mesmo salvar sua vida. Ao assistir a exibição da Orquestra Filarmônica de Berlim, por ocasião do concerto em homenagem às vítimas do terrível massacre que até hoje mantém vivas as chagas que feriu toda a humanidade, pude refletir até onde chega o requinte de crueldade. Nessa oportunidade foram lidos trechos do livro “A noite”, em que Elie Wiesel, Prêmio Nobel da Paz, abordou a vida no campo para onde foi deportado junto de sua família ainda adolescente.

    O concerto foi também in memoriam de Alma Rosé, sobrinha do renomado compositor Gustav Mahler, morta no campo. Ela regeu uma orquestra de moças. Um dos violinos da mencionada orquestra foi usado nesse concerto bem como outros instrumentos que pertenceram às vítimas.

    Li a matéria que falava da violoncelista Anita Lasker-Wallfisch, de 89 anos, que participou do concerto. Ela narrou ter dezoito anos quando chegou a Auschwitz. Seus pais foram deportados e mortos dois anos antes.

    Os judeus sabiam que ao subirem a rampa bastava um movimento de mãos e poderia significar a vida ou a morte. E Alma e sua irmã Renate foram salvas. A empregada da orquestra perguntou o que a primeira fazia. Aí foi o momento em que a música a salvou. Ela disse que tocava violoncelo.

    E a orquestra precisava de um violoncelista! Mais uma vida foi salva, uma não duas. Alma era famosa em Viena. Na época em que  foi deportada, sua orquestra de moças já era  renomada além – fronteiras e apreciada inclusive por Josef Mengele. Sobre ele nem se precisa descrever porque esse nome deixou dolorosas marcas em Auschuwitz. Não discorrerei sobre a triste memória do sucedido.

    Só terminou com a chegada do exército da União Soviética, em vinte e sete de janeiro de mil, novecentos e quarenta e cinco. Daquela data em diante terminava a via – crúcis dos sete mil prisioneiros restantes que haveriam de carregar as chagas, as lágrimas e o sofrimento em suas memórias e corpos mutilados.

    Seus algozes não se importavam com a alimentação e higiene, quiçá com os piolhos, humilhação e disenteria. Sinto dor só em pensar nas pessoas que eram esfoladas, enterradas vivas e usadas como cobaias.

    Não desejo prosseguir este lamento. Exaltar, porém,  o belo som  e a grande artista Alma Rosé, que, graças aos acordes de seu violoncelo, entremeados ao talento e coragem, recebeu no inclinado  naquele momento derradeiro não uma simples faixa presidencial em desfile pela rampa ladeada por dragões da independência, mas sim a luz do Espírito Santo Paráclito  que espargiu no coração da funcionária responsável pelo setor musical  e  era quem cuidava da agenda de apresentações.

    Viva aos dotados de virtudes dos angelicais acordes, parabéns aos virtuoses sob os eflúvios de Santa Cecília e do Coro Celeste. 

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